Ibram estima que o faturamento do setor de mineração no país deve registrar recorde histórico neste ano, entre R$ 260 bilhões e R$ 270 bilhões.
Com a perspectiva de recuperação da economia global, o aumento dos preços internacionais do minério de ferro tem promovido o crescimento do faturamento do setor no Brasil e feito com que pequenas e médias mineradoras retirem da gaveta seus antigos projetos de investimento. Nas cidades mineiras do chamado quadrilátero ferrífero, como Itabirito e Nova Lima, os efeitos positivos podem ser observados com a abertura de novos empregos, comparado com a maioria dos municípios do país. Esse movimento ainda é isolado e tem poder de puxar toda a economia?
“Temos sinais positivos de que devemos ter um período de mineração muito interessante. O pacote de investimentos do presidente Joe Biden dos EUA e a preocupação da China em manter o crescimento econômico, e o Brasil também está se recuperando”, disse diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Flávio Ottoni Penido. Tomando o Brasil como exemplo, espera-se que a demanda por produtos derivados de minério aumente, principalmente na construção civil, com a expectativa de controle da pandemia.
A entidade estima que o faturamento de todas as atividades relacionadas ao setor de mineração no país deve registrar um recorde histórico neste ano, com valores entre R$ 260 bilhões e R$ 270 bilhões. Em comparação com os números do ano passado, o aumento pode ser de até 29%. Como líder do setor, a Vale já faturou US$ 5,5 bilhões no primeiro trimestre.
Por trás dessas cifras, está uma combinação dos sonhos para qualquer mineradora. Com o crescimento da demanda, as exportações brasileiras de minério de ferro devem chegar a inéditos US$ 41,2 bilhões em 2021, pelas contas da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Maior demanda também tem significado preços mais altos pelo produto. A cotação média por tonelada do minério de ferro superou os US$ 190 no fim de abril, próxima do pico histórico de 2008 (US$ 196) nesse mesmo tipo de comparação.
A leitura do mercado é que as contribuições tendem a permanecer em alto nível, pelo menos a médio prazo, mesmo porque não há um grande projeto para aumentar consideravelmente a produção prestes a sair. O próprio Ibram estima que o preço médio por tonelada ficará entre US$ 130 e US$ 140 este ano, uma estimativa fortemente conservadora.
Investimentos
Para o período de 2021 a 2024, a Ibram mapeou 92 projetos de investimento, em 81 cidades de 14 estados, que devem contribuir com US$ 38 bilhões. A quantidade permaneceu estável nos últimos dois trimestres, que coincide com o recente salto nos preços. Já inclusos recursos para mitigar os impactos ambientais, uma cobrança de investidores e também uma resposta ao rompimento de barragens em Mariana (MG) e Brumadinho (MG). São US$ 2,2 bilhões apenas para soluções relacionadas a rejeitos.
Os investimentos já bateram a casa dos US$ 75 bilhões no ciclo 2012-2016, quando o S11D da Vale, no Pará, estava sendo construído. Grandes projetos de mineração levam de sete a dez anos para sair do papel. Desta vez, os investimentos são mais modestos e guiados por pequenas e médias empresas, cujos projetos duram dois anos para amadurecer.
No entanto, a expectativa é que mantido o cenário favorável de preço nos próximos anos, podem beneficiar projetos de investimentos com um custo maior de produção. “Com esse preço do mineral, qualquer custo se viabiliza, mesmo com logística, que é cara”, diz Clóvis Torres, sócio do escritório Souza, Mello e Torres. O especialista, que foi diretor executivo e consultor geral da Vale por sete anos, até início de 2018, complementa que “as próprias grande companhias perceberam que não é interessante pra elas aumentar demais a produção”.
Reflexos
Apesar de todos os benefícios na cadeia em torno do minério de ferro, ainda há dúvidas se esse movimento terá fôlego para puxar outros setores da economia, diante das incertezas na vacinação da Covid-19 no país e a explosão nas despesas das contas públicas do país.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da BRCG Consultoria, Lívio Ribeiro afirma que o desempenho do setor externo ainda pesa pouco no Brasil e a indústria extrativa – dividida entre a mineração e a produção de petróleo – responde por apenas 2,9% da economia. A mineração empregava cerca de 187 mil trabalhadores no início do ano, de acordo com o Ibram. “A alta das cotações deixa segmentos e empresas mais ricos, mas não dá pra dizer que isso está passando para sociedade como um todo”, diz Ribeiro. “Ainda não é um movimento estrutural, é mais um choque”, acrescenta Mauro Ferreira, professor de economia da UFMG.
De acordo com o economista sênior dos consultores da LCA Bráulio Borges, nos ciclos de alta de preços das commodities, os países que exportam são geralmente beneficiados por efeitos indiretos importantes. Entre eles, nas economias com câmbio flutuante, o dólar cai quando os preços das commodities sobem. Isso torna o país mais “rico” ante as outras nações, favorece investimentos em máquinas importadas e amortece a transmissão da alta de preços das matérias-primas para a inflação doméstica.
O problema é que o dólar subiu de patamar no Brasil durante a atual crise. Descolado das moedas dos outros emergentes, o real segue depreciado, mesmo com o aumento nos preço de commodities, pressionando a inflação. Os economistas têm listado vários fatores para explicar o fenômeno, como o alto desequilíbrio das contas públicas, a tendência de alta na dívida pública, as crises políticas em torno do governo federal, o nível historicamente baixo de taxas básicas de juros e o descontrole no enfrentamento da pandemia.
“Se os efeitos indiretos não funcionam, o impacto positivo do ciclo de alta de preços das commodities é mitigado”, diz Borges.
No entanto, as projeções coletadas pelo Banco Central (BC) na edição mais recente do boletim Focus apontam para exportações de US$ 230,1 bilhões este ano e superávit histórico de US$ 59 bilhões na balança comercial. De acordo com Borges, isso não produz crescimento econômico, mas permite atrair recursos de investidores externos e acumular mais reservas cambiais. Também gera uma pressão para a queda do dólar no futuro. Sem reservas e com elevada dívida externa, diante do desequilíbrio fiscal, a crise no Brasil poderia ser muito pior.
Estadão Conteúdo.