Projeto experimental desenvolvido em São Paulo promove a sinergia entre as matrizes solar e hídrica na geração de eletricidade.
Uma tecnologia inovadora pretende aproveitar energia solar e hídrica no mesmo espaço. O projeto experimental da Usina Solar Flutuante (USF) vai fornecer eletricidade suficiente para atender 9,5 mil pessoas a partir da produção de 550 quilowatts (KW) de energia. O sistema está em fase final de instalação na Usina Porto Primavera, em Rosana-SP. Conforme cronograma, a USF começa a operar no final do primeiro semestre, com investimento de R$ 23 milhões. O objetivo inicial dos especialistas é estudar o funcionamento da usina e o comportamento dos painéis no solo e na água.
O modelo segue uma tendência em curso. Em outras partes do mundo, as usinas solares aproveitam o espaço oferecido pela lâmina d’água dos reservatórios de hidrelétricas, compartilhando também as linhas de transmissão. Os benefícios potenciais residem na sinergia entre fontes geradoras. Há possibilidade de mitigação de impactos como ocupação de territórios, economia na construção da infraestrutura para entrega da energia e mais agilidade para aumento da capacidade do sistema, pois o licenciamento ambiental torna-se menos complexo em uma área já autorizada a produzir eletricidade.
CARACTERÍSTICAS
O projeto da USF é dividido em duas partes. Uma foi montada em terra firme, ao lado da represa, com placas fotovoltaicas rígidas que captam a radiação solar continuamente. A outra, instalada sobre a água, apoia-se em boias e tem placas flexíveis. O pulo do gato do projeto consiste em vencer a condição intermitente dos raios de sol, que podem ser encobertos por nuvens, por exemplo. Isso ocasiona perda de capacidade das usinas fotovoltaicas. Então é necessário uma bateria para armazenar energia. “Quando essas usinas não estiverem operando por causa da sombra ou do vento, vamos usar a bateria da água. Assim fazemos um sistema complementar”, salienta o subsecretário de Energias Renováveis de São Paulo, Antônio Celso de Abreu Junior.
O projeto experimental fornece informações que ajudam a detectar a viabilidade do modelo, fazer correções e, em caso de sucesso, ampliá-lo. “Em Porto Primavera temos área disponível, além de condições de localização favoráveis. Nossa ideia é colocar esses painéis em condições reais, expor às intempéries do tempo e estudar. Vamos modernizando e criando alternativas para a energia no país”, explica o subsecretário de Energias Renováveis de São Paulo.
“Essa água que foi guardada pode ser consumida em outro momento permitindo uma maior utilização do sistema hidrelétrico interligado”, acrescenta o engenheiro Demóstenes Barbosa da Silva, sócio da Base Energia Sustentável, empresa responsável pela instalação dos painéis.
SUSTENTABILIDADE
O Brasil é um dos países que mais aprenderam a trabalhar com a hidroeletricidade, devido aos recursos hídricos abundantes, como informa Demóstenes Barbosa. E uma das vantagens da usina flutuante é a possibilidade de instalá-la em locais com licença ambiental para geração de energia, aproveitando a reserva de água. A sinergia do sistema é mais sustentável, pois não há degradação do meio ambiente nem a necessidade de desapropriação no entorno para construir a planta geradora, por exemplo.
“A ideia de aproveitar uma pequena parte da área dessas lâminas d’água representa a possibilidade de instalar milhares de megawatts de geração solar. Podemos usar os mesmos sistemas de transmissão ou construir outros em áreas que já foram impactadas e licencia
das para a geração de energia”, destaca o engenheiro.
A USF flutuante não ocupa novas regiões como lembra Demóstenes. Essa característica libera territórios para atividades como a agricultura. “Somando esses fatores, temos fundamentos para estabelecer o sinergismo entre as fontes solar e hidrelétrica no Brasil. Se extrapolarmos esse raciocínio para todas as usinas hidrelétricas que podem receber essas instalações, poderíamos atender ao consumo de energia no Brasil usando primeiro essas áreas antes de avançar sobre outros biomas”, avalia o engenheiro.
Além da usina solar, será instalada em Porto Primavera uma pequena central eólica para que sejam feitos estudos comparativos. A estrutura deve gerar em torno de 500 KW. “São Paulo não tem o privilégio de ventos como o Nordeste, mas temos quantidade razoável
que nos permite usar essa matriz em determinados locais”, ressalta o subsecretário de Energias Renováveis de São Paulo, Antônio Celso de Abreu Junior.
TECNOLOGIA
Normalmente as placas fotovoltaicas utilizadas em residências são usadas para aquecer a água. No entanto, a tecnologia usada na USF aproveita essa capacidade para gerar energia elétrica. “Tradicionalmente as placas são formadas por módulos policristalinos construídos com alumínio e protegidos por vidros. São quadros rígidos com células fotovoltaicas feitas com silício cristalino, o que resulta em módulos rígidos. Mas é possível obter esse silício sem uma forma definida e não cristalina. Isso permite a criação de modelos flexíveis”, explica Demóstenes Barbosa.
A tecnologia de Usina Solar Flutuante também aumenta a capacidade de captação de energia. De acordo com o subsecretário de Energias Renováveis de São Paulo, painéis solares perdem rendimento e a eficiência quando estão em ambientes com temperatura superior a 43°C. Ao instalar as placas próximas da água ou flutuando, a temperatura é regulada, pois o espelho absorve parte da radiação. “Sendo assim, a temperatura não fica tão alta a ponto de perder a eficiência nem baixa demais a ponto de prejudicar o funcionamento das células fotovoltaicas”, completa Antônio Celso.
Parte das placas foi comprada na China. A pesquisa para a construção das unidades foi desenvolvida nos Estados Unidos. Já as boias e a adaptação dos painéis na água foram elaboradas no Brasil. O projeto é desenvolvido em parceria com várias empresas e entidades, com consultoria de especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
“Trata-se de uma opção tecnológica interessante e promissora que está em estágio avançado em termos de desenvolvimento. Deve, portanto, ser avaliada em condições reais de operação, para possíveis aprimoramentos e adaptações”, afirma o superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Máximo Luiz Pompermayer.
O projeto demandou investimentos de R$ 23 milhões.
Os recursos foram aplicados na parte de pesquisa, execução, compra dos equipamentos e montagem do sistema. A verba da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) foi captada no programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Aneel.
As concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica são obrigadas a investir 1% da Receita Operacional Líquida (ROL) em pesquisas e projetos voltados para o setor elétrico que beneficiem o consumidor. A explicação é do subsecretário de Energias Renováveis de São Paulo, Antônio Celso. “Na Cesp resolvemos discutir esse projeto inovador que vai garantir complementaridade energética. É muito importante para viabilizarmos, no futuro, empreendimentos do tipo em grande escala no Norte e no Nordeste”, acredita.
Para Máximo Luiz Pompermayer, o investimento é muito adequado. “Entendemos que todas as opções ou alternativas promissoras de geração de energia devem ser pesquisadas, desenvolvidas e testadas em condições reais de operação”, elogia.
MODELO PROMISSOR
O experimento de São Paulo é o segundo feito no Brasil. A primeira Usina Solar Flutuante foi instalada em março de 2016 na Hidrelétrica de Balbina, no município de Presidente Figueiredo/AM. O sistema funciona de forma semelhante ao do modelo de Porto Primavera, aproveitando as linhas de transmissão das hidrelétricas, como revelam informações divulgadas pela Agência Brasil.
As placas fotovoltaicas flutuantes no reservatório de Balbina vão gerar, inicialmente, 1 MW de energia.
A previsão é a de que, em outubro de 2017, a potência seja ampliada para 5 MW, suficiente para abastecer 9 mil residências.
“Há dois projetos semelhantes em desenvolvimento por empresas do grupo Eletrobrás: a do reservatório na Usina Hidrelétrica de Balbina/AM, na Eletronorte, e a Chesf, em Sobradinho/ BA”, diz Máximo Luiz Pompermayer.
De acordo com o engenheiro Demóstenes Barbosa, as tecnologias solares já são bem conhecidas no exterior. Ele explica que no Hemisfério Norte as usinas fotovoltaicas geralmente são de pequeno porte, instaladas em residências. No entanto, a tendência de aperfeiçoar e promover a sinergia entre os sistemas tem ganhado espaço em alguns países.
“No Japão, por exemplo, não há muita área para construção. Por isso, eles usam essas estruturas flutuantes no mar para gerar energia. É uma concepção inovadora, pioneira. No Brasil tem tudo para dar certo, principalmente quando analisamos o porte do sistema hidrelétrico brasileiro, que é grande. Estamos inovando para fazer a sinergia no país”, finaliza Demóstenes Barbosa.