Diretor-presidente da AngloGold Ashanti no Brasil, Camilo Farace fala sobre o presente e o futuro de uma das mais tradicionais mineradoras no país.
Uma empresa se mantém no mercado pelos valores que ela pratica. Talvez por isso a operação da AngloGold Ashanti, em Nova Lima, exista há 183 anos. A empresa, hoje sul-africana, mudou de nome, de nacionalidade, mas não abriu mão da responsabilidade social nem de desenvolver pesquisas, tecnologias e inovações capazes de garantir sua longevidade no mercado e sua adaptação aos novos tempos, onde o termo sustentabilidade se tornou um imperativo.
A mineradora começou sua história em Minas em 1834, como a empresa inglesa Saint John Del Rey Mining Company. Dos trabalhos iniciais de extração de ouro em Nova Lima à transformação da companhia em Mineração Morro Velho S.A., controlada por Walter Moreira Salles e Horácio de Carvalho, 122 anos se passaram. Não tardou para que o grupo brasileiro se associasse à Anglo American Corporation, a maior empresa de mineração de ouro do mundo naquele momento.
Da participação inglesa na mineração em Morro Velho à fusão entre a britânica AngloGold e a sul-africana Ashanti Goldfields mais outro salto temporal, agora de 29 anos, registrados entre 1975 a 2004. Hoje diretor-presidente da operação brasileira da AngloGold Ashanti, Camilo de Lelis Farace acompanhou de perto boa parte da história recente da mineradora. Há mais de 27 anos na empresa, ele sabe como poucos os desafios de manter operações que representam 15% da produção mundial da companhia, sem se descuidar do desenvolvimento econômico e social das comunidades envolvidas pela atividade mineradora da Anglo.
Em entrevista à Revista Mineração & Sustentabilidade, Farace discorre sobre a evolução do setor mineral brasileiro mesmo em tempos de crise, defende as mudanças nas regras da mineração propostas pela União, discute a busca pela sustentabilidade, fala de tecnologia e inovação e mostra como a AngloGold Ashanti se tornou a única mineradora do Brasil a receber certificação ABNT NBR 16001 de Responsabilidade Social.
Mineração & Sustentabilidade: Com 183 anos de história, a AngloGold Ashanti acompanhou de perto a evolução do setor mineral brasileiro. Nesse tempo, quais mudanças positivas e negativas mais impactaram o setor?
Camilo Farace: A operação da AngloGold Ashanti no Brasil sempre se destacou pelo desenvolvimento de tecnologia e inovação em toda a sua cadeia produtiva, desde a exploração até a produção de barras de ouro. As atividades da empresa sempre envolveram as comunidades, fornecedores, prestadores de serviços, universidades, centros tecnológicos, centros de pesquisa privados e públicos, indústrias parceiras e o cliente final. Temos conquistado ganhos representativos para a empresa e avanços importantes para o setor, como a inserção de novos processos e tecnologias em médio e longo prazo, a partir da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Tecnológico de métodos de mineração.
A principal motivação para mantermos o foco e o investimento em inovação é atender a uma prioridade: a segurança e a saúde de todos os empregados. Trabalhamos incessantemente no aprimoramento dos nossos programas de segurança e saúde ocupacional e na introdução de novas metodologias para a prevenção de acidentes a fim de eliminar, minimizar ou controlar os riscos relacionados à atividade laboral. Ao longo de mais de 183 anos de história, temos diversos exemplos de mudanças que sustentam essa capacidade e permitem tamanha longevidade. Destacamos o trabalho de mecanização das minas de subsolo, que possibilitou a prevenção de doenças ocupacionais com novos métodos e ampliou a produtividade, oferecendo também segurança para o aprofundamento das minas. Atualmente, esse processo está mais evoluído, enquanto um novo recurso de operação remota já se encontra em fase de implementação.
Esse direcionamento levou a mudanças que tornaram as minas da AngloGold Ashanti no Brasil uma referência para o setor de mineração do país, além de um exemplo dentro da própria estrutura global da empresa, que conta com 17 operações em nove países.
M&S Para a mineradora, o que mudou no conceito de extração de ouro nesse tempo?
Camilo A companhia acredita que a indústria da mineração passará, nos próximos anos, por uma revolução, razão pela qual investe consistentemente na busca da sustentabilidade do negócio, tendo como premissa prioritária a segurança dos seus empregados e a produtividade de suas operações. Por isso, recebemos valores expressivos de investimento de capital para melhorias em segurança e para a modernização operacional. Entretanto, como qualquer indústria, a mineração avança também para o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias que possam ser efetivamente agregadoras de valor. A tendência é termos processos cada vez mais controlados por informações precisas para que, de forma eficiente, possamos obter resultados ainda mais atrativos aos nossos interesses, seja no campo econômico, social ou ambiental.
M&S Hoje a AngloGold tem se posicionado em prol da sustentabilidade e em ações voltadas para as comunidades em que está inserida. Como foi construído esse valor? Quais resultados têm sido obtidos?
Camilo Contribuir para o desenvolvimento econômico e social das comunidades na área de atuação de suas operações sempre foi um valor para a AngloGold Ashanti Brasil. É um orgulho, por exemplo, manter duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs): a Mata Samuel de Paula, em Nova Lima, onde fica o Centro de Educação Ambiental (CEA), que recebe mais de 4 mil visitantes por mês; e a AngloGold-Cuiabá, localizada em Sabará. Juntas, elas somam 873 hectares. Em 2016, a empresa acrescentou mais 500 hectares à área já protegida, enviando para o Instituto Estadual de Florestas (IEF) o projeto para criação de duas novas reservas em Santa Bárbara, onde fica a operação Córrego do Sítio: uma com 180 hectares, outra com 328 hectares.
A AngloGold Ashanti também vem investindo constantemente nas áreas social e cultural, por meio de recursos próprios e de leis de incentivo. Programas de empreendedorismo e de geração de trabalho e renda; ações voltadas para a promoção da saúde de crianças e idosos; apresentações teatrais, musicais e oficinas para levar cultura e diversão em praça pública são algumas das iniciativas que recebem o apoio da empresa. Um exemplo é o programa ‘‘Parcerias Sustentáveis’’, que já está na sétima edição. A iniciativa seleciona projetos sociais que recebem incentivos financeiros para a realização de suas atividades em prol da comunidade.
Em seis edições, foram 168 instituições locais apoiadas e mais de R$ 6 milhões investidos, beneficiando diretamente mais de 21 mil pessoas. Além disso, a expectativa de favorecidos, em 2017, é maior: enquanto os projetos do ciclo de 2016 beneficiaram aproximadamente 2.900 pessoas de sete comunidades; neste ano, a expectativa é favorecer 3.400 pessoas.
Fomos a primeira mineradora – e atualmente somos a única – a ter conquistado a certificação da norma ABNT NBR 16001 de Responsabilidade Social. A chancela indica que estamos no caminho certo. Para mantê-la, anualmente a empresa passa por uma auditoria, com um rígido controle.
M&S Com 183 anos de atuação, qual a receita da mineração sustentável para a AngloGold?
Camilo A companhia entende que a presença da empresa deve contribuir para o desenvolvimento econômico e social das comunidades, tornando-as melhores. Temos orgulho em afirmar que contribuímos de forma decisiva para o desenvolvimento regional ao estimular a criação de polos econômicos locais e ao gerar emprego e renda para as populações. Acreditamos que o desenvolvimento das cidades onde estão nossas operações – que prosperaram e evoluíram em outras áreas, extrapolando a vocação mineral – seja um legado importante sobre a sustentabilidade dessas comunidades.
A empresa também acredita que um bom relacionamento com seus stakeholders só é possível com constante diálogo. Isso significa entender a realidade local e promover qualidade de vida e indicadores positivos para os municípios. Tais premissas norteiam as ações da AngloGold Ashanti desde a adoção de modernos sistemas de extração de minério e produção de ouro até as soluções inovadoras para a mitigação de riscos ambientais, cujo objetivo é o uso eficiente dos recursos naturais.
M&S Hoje a produção brasileira corresponde a 15% da produção da AngloGold Ashanti em todo o mundo. Há expectativa e margem para aumentar esse percentual?
Camilo Atualmente, a Mina Cuiabá, no município de Sabará, em Minas Gerais, é o maior ativo da empresa no Brasil, no que se trata de volume de vendas e profundidade de produção. Ela chega a operar, hoje, a 1.300 metros abaixo da superfície. Nós planejamos chegar em níveis bem mais profundos com base nos resultados das pesquisas geológicas que realizamos. Esses estudos apresentaram informações sobre a continuidade de nossa atividade mineratória em níveis bem mais profundos, levando o potencial produtivo dessa operação até 2035.
Dentro do planejamento estratégico da AngloGold Ashanti Brasil há acréscimos de produção planejados em função dos investimentos em exploração brownfields – feitos com base em um projeto já existente – e no desenvolvimento das operações de Córrego do Sítio, em Santa Bárbara, e na Serra Grande, em Crixas (GO). A empresa também trabalha com investimentos associados à abertura de novos pits nesse tipo de operação. Isso nos levará a um importante crescimento do nosso volume de produção nos próximos anos.
A empresa realiza ainda investimentos estratégicos em exploração greenfields – aquela feita com base em projetos não existentes – ao buscar novas áreas com potencial minerário nos estados de Goiás e do Maranhão.
M&S Quais os principais avanços tecnológicos nas operações da AngloGold?
Camilo Para melhorar os processos e o acesso às novas tecnologias, a empresa tem estruturas específicas e profissionais que atuam com orçamentos significativos para prover o desenvolvimento das operações. Um dos destaques é o investimento na Mina Cuiabá, em Sabará (MG), aquela com o maior uso de tecnologia do grupo. A companhia busca desenvolver e preparar a mina para operar, nos próximos anos, a 1.300 metros, bem abaixo do nível de profundidade do solo atingida até então. Esse projeto pioneiro no Brasil conta com profissionais de ponta de várias nacionalidades, que estão focados em criar um novo modelo de mineração para atender à essa demanda. Atualmente, a Mina Cuiabá já é a mais profunda do país.
Na operação de Crixás (GO), implantamos recentemente um sofisticado sistema de monitoramento online do maciço rochoso. Para viabilizá-lo foi instalada uma rede de fibra ótica, que permite que as movimentações dos vãos de realces monitorados sejam medidas com precisão milimétrica. Tais atividades, além de propiciar uma rápida retirada dos empregados em casos de movimentação, geram números que possibilitam a empresa ampliar ou reduzir a exploração de uma determinada área. Os dados permitirão identificar se determinada região ainda suporta atividade de extração ou se o mais aconselhável é cessar a exploração. Além de maior segurança para os envolvidos, o sistema gera ganhos de produtividade relevantes. Inédita no Brasil, a tecnologia deverá ser expandida para outras unidades da empresa nos próximos anos.
Na unidade de Córrego do Sítio, em Santa Bárbara (MG), uma das principais novidades é o equipamento Ore Sorting para mineração de ouro. Com o auxílio dele, a empresa busca pré-concentrar o minério logo nos estágios iniciais do processo de beneficiamento, reduzindo assim o volume de massa a ser processada, bem como o rejeito depositado em barragens. Os resultados iniciais são bastante promissores.
M&S Como a empresa avalia as novas regras da mineração?
Camilo A AngloGold Ashanti tem posição favorável às alterações do setor mineral que estejam alinhadas à busca pela segurança dos investidores, da sociedade e aos ganhos de produtividade para o setor. A empresa entende que a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) poderá desburocratizar a obtenção de novas licenças de operação, além de trazer um ambiente regulatório ao setor mais alinhado às novas tendências de mercado. A possibilidade de realizar – pelo menos em parte – os processos administrativos de forma eletrônica é outro avanço. Precisamos lutar para tornar a cadeia mais inteligente e dinâmica, funcionando como um alicerce às operações, e não como um entrave. Apoiamos e confiamos que as novas medidas podem ampliar a participação do setor mineral no Produto Interno Bruto (PIB). Entretanto, ressaltamos que as ações ou regras que podem reduzir os riscos e ampliar as garantias relacionadas às questões ambientais foram tímidas e demandam um avanço rápido, embora significativo.
Quanto ao aumento do royalty do minério, no caso do ouro, dobrado, a empresa acredita que a mudança trará impactos nos custos, reduzindo a margem de lucro da empresa e demandando uma revisão nos planos de investimento para os próximos anos, seja nas operações atuais ou em novos empreendimentos da companhia no país. Essa medida onera a cadeia da mineração e merece uma atenção maior por parte do governo para que ações que complementem um melhor funcionamento do setor possam avançar e, por consequência, minimizar esse custo imposto às empresas de mineração.
M&S Em relação ao ambiente de negócios, como a empresa enfrentou os últimos três anos da economia brasileira?
Camilo Qualquer incerteza no campo político e econômico gera impactos nos custos de produção e no investimento em novos projetos. As empresas – principalmente as multinacionais, como é o nosso caso – trabalham com horizontes de investimento de, no mínimo, cinco anos. Por isso, é vital um ambiente de estabilidade.
Temos confiança no futuro do país e, por isso, mantemos nossos investimentos, não só nas atuais plantas, mas também em novos projetos e iniciativas.
M&S O que se pode esperar do futuro da mineração? Como a AngloGold está se preparando para os próximos anos?
Camilo A AngloGold Ashanti acredita que a indústria da mineração está passando por uma revolução tecnológica, razão pela qual a empresa investe consistentemente na busca pela sustentabilidade de seu negócio. Mantendo a saúde e a segurança dos seus empregados como premissa, a companhia mantém também seu foco direcionado à otimização de custos para continuar competitiva em um cenário de mercado desafiador, com as incertezas e volatilidades do preço do ouro. Pelas características de nossos ativos, prioritariamente de mineração de subsolo, nosso crescimento está aliado ao aprofundamento das minas, que nos demandam maiores atenções aos custos, à logística e à segurança.
Assim, mantemos como guia a busca pela gestão baseada na Excelência Operacional, que engloba a adoção de práticas de classe mundial em nossas operações para a melhorar continuamente a performance, além de fortalecer o investimento em automação, novas tecnologias e inovação.