*Por Milton Rego
A Belt and Road Initiative (BRI), ou o Silk Road Economic Belt (SREB), foi apresentado pelo governo chinês há quatro anos como uma estratégia de, inicialmente, desenvolver as províncias do oeste da China e conectar os países do leste da Ásia. Neste momento, a China está construindo infraestrutura de estradas e ferrovias em toda a Ásia Central, e, assim, deve reabrir a antiga rota da seda para a Europa via Moscou e Istambul. Além de trechos das ferrovias, já em construção, outro vetor são as linhas de transmissão para expandir sua segurança energética em direção ao petróleo e ao gás do Cazaquistão e ao fortalecimento das rotas marítimas.
O governo chinês chama a iniciativa de “uma tentativa de aprimorar a conectividade regional e abraçar um futuro melhor” e, é claro que, na visão chinesa, esse futuro melhor tem a China como protagonista.
O país tem uma enorme poupança para investimento no exterior. Impulsionadas em parte pela estratégia “Going Global” de Pequim, que incentiva o investimento em mercados estrangeiros, as empresas chinesas expandiram ativamente sua presença no exterior nos últimos anos e exploraram oportunidades de investimento em diversos setores.
As atividades de extração de recursos naturais e energia concentram os investimentos – a China já é o maior mercado e o maior importador mundial para commodities minerais e energia. A dependência desses recursos vai se aprofundar ainda mais nos próximos anos.
Na América Latina, na última década, dos cerca de 100 bilhões de dólares de investimentos diretos, mais da metade foi para o setor de energia. Desse total, quase 60% foram destinados ao Brasil para a compra de empresas de petróleo e para geradoras e distribuidoras de energia elétrica.
Esses investimentos têm de ser observados com atenção. Primeiro, porque parte não são projetos novos (os chamados greenfields); são simplesmente venda de ativos, empresas já operando (as brownfields) que trocam de dono. Isso melhora o caixa de quem as vendeu, mas não promove, necessariamente, desenvolvimento do setor. Por essa razão, alguns países como Estados Unidos e Alemanha restringem a entrada de dinheiro chinês.
Para os projetos novos no Brasil, em que investimentos são sempre bem-vindos, a ameaça está mais escondida: a importação de máquinas e equipamentos chineses. Vamos tomar como exemplo o segmento de cabos elétricos.
Os cabos que transmitem energia das geradoras (hidroelétricas, parques eólicos etc.) são todos feitos de alumínio. O metal é um excelente transmissor de energia, é resistente, não oxida e é leve, diminuindo a carga de peso nas torres. O Brasil tem uma indústria instalada, de qualidade mundial e muito competitiva na produção de cabos. No entanto, opera com uma capacidade ociosa de 40%, em virtude da redução do ritmo dos projetos de transmissão. Historicamente a importação sempre foi muito baixa; os produtores domésticos ganharam quase todas as licitações, por preço e qualidade. Pois bem, o que tem acontecido agora é que, mesmo com ociosidade, as importações estão aumentando com a China monopolizando as importações brasileiras.
No Brasil, a partir de 2016, grupos estrangeiros começaram a ganhar projetos de linhas de distribuição e a importação de cabos de alumínio começou a crescer. Vindos de onde? Da China, claro.
É um roteiro que se repete. Ao vencer os leilões dos projetos de distribuição de energia, as empresas chinesas trazem todos os equipamentos de sua terra natal: turbinas, geradores, subestações e cabos, mesmo com oferta mais competitiva no mercado internacional. Isso aconteceu em outros países como Paquistão, Quênia, Etiópia, Egito etc. Primeiro vem os projetos e depois, os equipamentos.
É preciso perceber — estamos nos tornando o Planeta China. E para termos algum parâmetro de como devemos tratar o país, seria interessante olhar como a China trata os investimentos e o comércio dos outros países no seu território.
A China controla, com punhos de ferro, o acesso ao enorme mercado interno, não só em relação a produtos e tecnologia, mas até às manifestações políticas dos países quanto ao governo chinês. Já sabemos que para operar na China, é preciso ter um programa de transmissão de tecnologia; agora, precisa também estar alinhado politicamente. Só para termos um exemplo, há algum tempo, a Noruega teve de passar por longas negociações e prometer ter “na mais alta conta os interesses centrais e grandes preocupações da China” para conseguir reestabelecer os laços comerciais, após Pequim punir Oslo devido à decisão, em 2010, tomada por um grupo independente – nomeado por políticos noruegueses – de laurear com o Prêmio Nobel da Paz o dissidente Liu Xiaobo.
Assim, interesses particulares do país são, sim, peças que fazem parte do tabuleiro global de investimento e acesso a mercados. Quando olhamos os investimentos chineses no mercado brasileiro de geração e distribuição de energia, nos dá a impressão de que estamos indo para um beco sem saída de desindustrialização de componentes para esse setor. E, se isso acontecer, o segmento de cabos de alumínio irá sofrer um grande impacto.
A indústria brasileira é competitiva. As nossas empresas fabricam com qualidade e custos mundiais. Podemos concorrer com qualquer empresa. Mas as empresas não podem concorrer com um país. Se estamos no Planeta China, temos que nos lembrar que vamos continuar vivendo e trabalhando no país Brasil.
*Milton Rego é Engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral, desde 2014 é o presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).