Sem pesquisa não há desenvolvimento sustentável

Flávio Penido acredita que os empresários precisam ser estimulados a abrir o capital de suas empresas na bolsa de valores - Foto: Glenio Campregher.

Diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Flávio Ottoni Penido fala sobre as ações que podem tornar a mineração brasileira ainda mais pujante nos próximos anos.

Quantas e quais riquezas se escondem nos 8,516 milhões de km² que perfazem o território
brasileiro? Para um país que tem na mineração uma de suas principais vocações econômicas, essa sondagem é imprescindível. A detecção de novas áreas para a produção mineral contribui para estimular a economia e induzir o desenvolvimento social.

No entanto, mapear essas riquezas do subsolo nacional impõe desafios ao setor. A expectativa de empresários da indústria mineral é que esse percalço seja superado a partir do Programa Mineração e Desenvolvimento, lançado em setembro pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O plano lista diversos eixos a serem trabalhados pelo governo, entidades e empresas para que essa atividade conquiste avanços significativos nos próximos três anos.

Em entrevista exclusiva à Revista Mineração & Sustentabilidade, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Flávio Ottoni Penido, discorre sobre as perspectivas em relação ao programa do MME, faz um balanço da mineração brasileira em 2020, detalha a resposta do setor à pandemia e opina sobre o papel do governo no desenvolvimento de um ambiente mais favorável ao investimento estrangeiro no país.

Engenheiro de minas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Penido tem extensa experiência em processos de avaliação, negociação e due diligence de empresas de mineração, tendo assumido posições de liderança em várias operações nos últimos anos. Ex-diretor da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), ele é, desde 1992, o diretor-presidente da Open Brasil & Associates e está à frente do Ibram desde junho de 2019.
Confira a entrevista completa:

Mineração & Sustentabilidade – Quais são os principais gargalos da mineração brasileira atualmente?

Flávio Penido – Falta estímulo à pesquisa geológica básica e oferta de áreas para a atividade mineradora. Se uma mina irá se esgotar, é preciso novas jazidas para dar continuidade à produção mineral e não desequilibrar oferta e demanda. Essa é uma das justificativas para se ter um mapeamento geológico perene. Recentemente, tanto o governo federal quanto a Agência Nacional de Mineração (ANM) anunciaram novas áreas para pesquisa, um sinal positivo para o desenvolvimento do setor no Brasil. Estima-se que apenas 30% do território brasileiro tenha passado por análise geológica adequada para a atividade mineradora, mas apenas 0,6% seja ocupado por essa indústria. Sem novas pesquisas para identificar jazidas e permitir ao país traçar estratégias para a exploração sustentável não há como estabelecer metas realistas.

Também falta estrutura e pessoal para a ANM. Por mais dedicadas e competentes que sejam suas atuais equipes de técnicos e dirigentes, o território brasileiro é extenso. Há notadamente uma série de atividades ilegais espalhadas pelo Brasil. As autoridades estão se esforçando para coibi-las, mas uma ANM fortalecida contribuiria ainda mais para o combate à ilegalidade e a melhora da qualidade da regulação do setor no Brasil.

Há outros gargalos, como represamento de áreas para mineração, dificuldades para desenvolver a atividade em ambientes como a faixa de fronteira, além de entraves comuns aos demais setores – e que alimentam o “Custo Brasil”. Entre esses fatores estão prazos extensos, burocracia para licenciamento ambiental, problemas de infraestrutura e logística de portos e ferrovias, custo do frete e tributação excessiva.

M&S – A ANM abriu edital para fins de pesquisa mineral em 502 áreas do país. Comprovada a viabilidade de exploração desses locais, qual deverá ser o impacto para o setor?

FP – Há um represamento histórico de liberação de áreas para a mineração industrial. O governo federal, por meio do MME e outros setores, enxergou este gargalo e tem tomado atitudes positivas para combatê-lo. A ANM faz o mesmo. Para se desenvolver, a mineração
precisa de uma nova oferta de áreas para pesquisar, planejar e implantar projetos. São fases que levam muitos anos. Por isso, a abertura de edital tende a movimentar negócios em extensas cadeias produtivas, fazendo com que todo o país saia ganhando.

M&S – Quais fatores permitiram que a mineração desse uma resposta tão imediata à crise sanitária do novo coronavírus?

FP – A mineração já era considerada uma atividade essencial, e essa condição foi reafirmada com a pandemia. Afinal, os minérios estão na base de toda a produção industrial e influenciam o agronegócio ao serem usados no enriquecimento do solo, nas rações e na fabricação de fertilizantes. Sem minérios não há como a economia girar.

A pandemia se tornou o grande ‘mal da humanidade’, mas acabou unindo o planeta para combatê-la. A mineração entendeu dessa forma e se prontificou a contribuir decisivamente nesta ‘guerra’. Logo de início, as mineradoras utilizaram seu poder de compra no exterior para importar testes clínicos, máscaras e outros equipamentos essenciais aos municípios. No plano interno, elas movimentaram organizações e profissionais com os quais mantém contato direto. Além disso, adiantaram pagamentos e liberaram crédito a fornecedores, atenuando os efeitos da paralisação dos negócios. Já os empregados das mineradoras, até
hoje, trabalham de forma voluntária, em apoio às comunidades.

Essa união entre empresas do setor e comunidades já existia nos municípios mineradores. Mas, com a pandemia, a sociedade em geral enxergou a importância dessa rede de apoio, formada pelas mineradoras nos arredores. Esta é a verdadeira expressão do setor mineral:
atuar em favor das pessoas.

M&S – Recentemente, o governo lançou o “Programa Mineração e Desenvolvimento”, estipulando como meta o estímulo à implementação de tecnologias nas pequenas e médias empresas do setor. Isso pode ser efetivado pela abertura de linhas de crédito?

FP – O acesso ao crédito em condições adequadas às empresas é imprescindível. O Ibram defende há anos que o direito minerário seja válido como garantia real nos financiamentos. Além disso, queremos desenvolver, nas pequenas e médias mineradoras do país, a cultura da abertura de capital em bolsas de valores. Essa é uma forma consagrada internacionalmente de se ter acesso ao capital privado.

M&S – Então, por que, diante do “Custo Brasil”, mais empresas mineradoras não abrem capital?

FP – Os pequenos e médios mineradores ainda são muito tímidos quando o assunto é abertura de capital na bolsa de valores. Isso é comum em outros países mineradores, como Austrália e Canadá. Essa mentalidade é algo que o Ibram se propõe a mudar com o tempo,
ao firmar acordo de cooperação com as bolsas de valores do Canadá e entendimento com a bolsa de valores brasileira (B3). O governo federal, por meio do MME e do Banco Central,
também está debatendo como regulamentar a utilização do título minerário como garantia  de contrato de financiamento para os empreendimentos de mineração.

M&S – Como seria o ingresso dessas empresas na bolsa de valores e quais os benefícios da adesão?

FP – O Ibram, enquanto entidade representativa da indústria da mineração, defende que adesão seja voluntária. Não são apenas os empresários do setor que precisam ser capacitados e estimulados a abrir capital para que suas empresas cresçam de forma
sustentável. Os investidores brasileiros também precisam ter a atenção despertada para fazerem aportes na mineração do país. Essa capacitação poderá vir a partir da ação conjunta de atores diversos, como as mineradoras, o governo federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as bolsas de valores do Brasil e de países como Austrália
e Canadá. O Ibram está aberto para trabalhar com todas as entidades, instituições e órgãos que compartilham dessa visão.

M&S – O Brasil é rico em minerais essenciais à indústria da tecnologia, como o nióbio. O país tem explorado esse potencial de forma efetiva?

FP – O Brasil tem explorado o potencial do nióbio de acordo com a demanda mundial,
que ainda é relativamente pequena, mas crescente. Temos um enorme potencial em terras raras, e as políticas públicas recentemente anunciadas pelo governo federal poderão estimular projetos voltados à exploração desses minérios comuns à indústria de alta tecnologia.

M&S – Como a mineração e o setor minerário brasileiro são vistos no exterior? Hoje, os empreendedores estrangeiros têm segurança para investir no país?

FP – A nova postura adotada pelo governo brasileiro, de inserir a mineração no planejamento de longo prazo voltado ao desenvolvimento socioeconômico, é um sinal de confiança para os investidores. É igualmente importante a atitude do MME na busca por fortalecer o ambiente de negócios para o setor. Uma boa constatação de que a mineração do Brasil é bem vista no exterior é que os investimentos previstos para projetos no país, no período 2020-2024, saltaram de US$ 32 bilhões para US$ 37,1 bilhões neste ano, mesmo
com a pandemia.

M&S – Como é o diálogo do setor minerário brasileiro com as outras grandes potências mundiais?

FP – O diálogo é bem próximo e constante, envolvendo entidades representativas como o Ibram, a Mining Association of Canada e similares dos Estados Unidos, Chile, Argentina, Peru. Também ocorre em fóruns internacionais – caso do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), do qual o instituto faz parte – e em eventos setoriais – caso da Expo & Congresso Brasileiro de Mineração (Exposibram), que reúne empresários, autoridades e especialistas de várias partes do mundo. A última edição, realizada de
forma on-line entre 24 a 26 de novembro, apresentou os avanços da mineração
em cada país e permitiu uma intensa troca de experiências.

 

Entrevista especial publicada em nossa edição impressa:
Edição 35 (Outubro a Dezembro de 2020).