Diretor-presidente da Samarco, Rodrigo Vilela defende que o aprendizado com o rompimento de Fundão paute a retomada operacional da empresa, iniciada em dezembro de 2020.
Cinco anos após o trágico dia 5 de novembro de 2015, quando 19 pessoas morreram e mais de 200 famílias ficaram desabrigadas devido ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a Samarco anunciou o retorno de parte de suas operações. Mas as marcas daquele dia parecem ter motivado a empresa – controlada pela joint venture entre BHP Billiton e Vale – a aprender com os erros e construir um modelo de negócio mais sustentável.
Além das perdas humanas, o rompimento de Fundão deixou um rastro de destruição ambiental. Em função do desastre, 32,6 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazaram, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e atingindo o rio Gualaxo do Norte, em Barra Longa. A tragédia causou graves danos à fauna, flora e comunidades da Bacia do Rio Doce. Ao todo, 39 municípios foram afetados pela lama que percorreu os territórios mineiro e capixaba.
Em entrevista exclusiva à Revista Mineração & Sustentabilidade, o diretor-presidente da Samarco, Rodrigo Vilela, detalha os desafios da empresa para recuperar sua imagem e construir um modelo de mineração mais sustentável. Ex-diretor de Operações e Projetos da companhia, ele ainda revela os procedimentos para uma retomada operacional sem barragens de rejeito, além de discorrer sobre a relação da Samarco com seus diferentes públicos e projetar o futuro da empresa.
À frente da presidência desde março de 2018, Vilela é formado em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O executivo possui MBA em Gestão Empresarial e em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (FDC), com especializações internacionais na Kellogg School e na Universidade de Cambridge.
Confira a entrevista completa:
Mineração & Sustentabilidade – Há cinco anos, a Samarco vivenciou o momento mais difícil de sua história. Como tem sido o desafio da empresa para recuperar sua imagem junto ao mercado e à sociedade?
Rodrigo Vilela – O ato de recomeçar carrega em si muitos desafios e responsabilidades. Acreditamos na possibilidade de retomar de forma sustentável, apoiados em novas tecnologias e alinhados aos princípios de segurança e respeito às pessoas e ao meio ambiente.
Aprendemos que é preciso aprimorar nosso sistema integrado de segurança de forma ampla, como temos feito. Entendemos que nós, da mineração, devemos dar mais atenção aos aspectos de planejamento e disciplina operacional, ampliar e revisar os processos de
diálogo com toda a sociedade, além de aprimorar a governança de nossas atividades
junto aos acionistas.
A retomada da Samarco é fruto de um aprendizado contínuo, que envolveu empregados, instituições e parte da sociedade. Ela significa que soubemos evoluir diante do que vivemos. Queremos ser reconhecidos pela superação, pela reconstrução das relações de
confiança com as comunidades onde atuamos e a sociedade e por assumir nossa história, compromissados com a reparação dos impactos que causamos, a segurança e a inovação.
M&S – Os impactos socioambientais do rompimento da barragem de Mariana foram profundos. Como a empresa tem trabalhado nesses cinco anos, junto às comunidades locais, para construir um modelo de mineração mais sustentável e próximo da sociedade?
Vilela – Estamos diante de um forte debate sobre a sustentabilidade no setor mineral e na relação com as comunidades. O setor aprendeu muito nos últimos anos, e sabemos que é preciso resgatar a confiança entre a mineração e a sociedade. Podemos destacar a “Carta Compromisso do Ibram perante a sociedade”, documento com propósitos voluntários ao
qual a Samarco aderiu. Ele estabelece diretrizes e metas em 12 áreas que irão nos ajudar a avançar e ressignificar o setor.
Além disso, temos fortalecido as relações de confiança com atores e instituições de locais onde atuamos em Minas Gerais e no Espírito Santo, demonstrando nossos esforços para uma retomada mais segura. Isso inclui processos de escuta e reuniões com moradores das comunidades e representantes de entidades para estreitar relacionamentos e reforçar vínculos, respeitando costumes, princípios, valores éticos e morais. Também inclui programas de educação ambiental, comunicação e relacionamento com as comunidades, engajamento de nossos públicos, fortalecimento de ecossistemas, apoio à diversificação econômica local e monitoramento de indicadores socioeconômicos dos municípios.
O programa “Força Local”, lançado em outubro de 2020, fortalece nossas relações com esses territórios e os repensa para além da mineração. Realizado em parceria com as entidades de classe dos municípios mineiros de Mariana, Ouro Preto, Santa Bárbara e Catas Altas e das cidades capixabas de Anchieta, Guarapari e Piúma, é dedicado ao fornecedor
local e visa incentivar o desenvolvimento nos lugares onde a Samarco atua. Ele se baseia em cinco pilares: políticas, capacitação, negócios, monitoramento e desenvolvimento e qualificação. Para 2021, outras ações estão previstas junto a esses atores, como workshops e seminários semanais.
M&S – Em quais frentes a empresa tem atuado a fim de solucionar uma questão sensível ao segmento minerário: as barragens de rejeito? Há alguma tecnologia desenvolvida para a manipulação desse material de forma que ele possa ser utilizado para algum fim?
Vilela – Retomamos apenas após a implantação de uma concepção operacional sem uso de barragens, o que garante mais segurança na área de disposição de rejeitos. Esse novo sistema de filtragem nos permite desaguar o rejeito arenoso, que representa 80% do total
gerado, para posterior empilhamento a seco. O restante, que é a lama, será armazenada na Cava Alegria Sul, um espaço rochoso e confinado, resultante da lavra do minério.
O rejeito arenoso filtrado e seco será destinado à Pilha de Disposição de Estéril e Rejeitos (PDER) Alegria Sul. Para garantir uma disposição contínua e segura, foi construída uma plataforma de 140 mil m² – cerca de 15 campos de futebol – que irá servir como base da
nova pilha e propiciar uma distribuição mais homogênea e segura do material.
O sistema de filtragem de rejeitos, bem como todas as estruturas geotécnicas, é monitorado pelo Sistema Integrado de Segurança, que inclui o Centro de Monitoramento e Inspeção (CMI), com 1.300 equipamentos de última geração, além de equipe especializada para inspeções em campo. Todas as estruturas geotécnicas da empresa estão estáveis e são monitoradas 24 horas por dia, sete dias por semana. Elas também são acompanhadas por auditorias independentes e possuem Declaração de Condição de Estabilidade (DCE).
Além disso, temos desenvolvido estudos para aproveitar de forma sustentável o rejeito do minério de ferro beneficiado. Nosso programa “Soluções para rejeitos e estéril” visa fomentar, desenvolver e implementar soluções abrangentes para reduzir a disposição de rejeitos e estéreis por meio de incorporação no processo e/ou desenvolvimento de coprodutos. Atualmente, o tema é um dos pilares estratégicos do retorno produtivo da Samarco.
Em Mariana, por meio do Desafio MinerALL, temos feito testes para desenvolver um pavimento de alta durabilidade e baixo custo a partir do uso de lama em 10,5 quilômetros de estradas vicinais nas localidades de Constantino, Cuiabá e Goiabeiras. A iniciativa modela negócios e promove soluções que visam o aproveitamento sustentável de rejeitos por outros mercados.
M&S – A seu ver, o que fez com que as acionistas da Samarco acreditassem tanto na empresa a ponto de arcar com os custos ao longo de cinco anos sem gerar faturamento? O que torna a empresa tão especial? São as reservas, os funcionários ou os valores?
Vilela – Realmente, os acionistas nos apoiaram de forma irrestrita desde o rompimento de Fundão. Sempre fomos reconhecidos pelo setor por causa dos índices de segurança, e agora, queremos ser vistos por indicadores de gestão de risco, que aliam técnicas modernas à uma metodologia que concilia segurança, saúde, meio ambiente e os processos da empresa.
Na Samarco, eficiência produtiva é alicerçada no compartilhamento de valores organizacionais e pessoais da nossa força de trabalho. Esse foi um grande diferencial competitivo no passado e algo indispensável no capítulo mais difícil da nossa história, contribuindo para que chegássemos a esse momento tão importante de retomada. Temos empregados muito identificados com a empresa, com alto nível de engajamento.
As ações de reparação e compensação são pautas prioritárias dos acionistas, assim como a retomada em segurança. Eles mantêm o compromisso social com as comunidades e áreas atingidas, bem como a preservação de empregos e ativos da empresa.
M&S – O retorno das operações foi planejado em etapas: algumas já executadas, outras em execução. Quais foram as principais mudanças operacionais apresentadas neste período?
Vilela – Inicialmente, executamos os trabalhos de segurança das barragens a ‘base zero’, o que contemplou desde a revisão dos ‘as built’ até os sistemas de automação de todas as barragens da Samarco (de rejeitos, água e resíduos), com adoção de fatores de segurança
canadenses.
Logo após, passamos por um amplo processo de licenciamento ambiental até a obtenção da Licença Operacional Corretiva (LOC), em outubro de 2019. Cumprimos rigorosamente todos os ritos previstos na legislação e recebemos as licenças necessárias das autoridades
competentes, em um processo transparente, de diálogo contínuo e participação da sociedade em audiências públicas. Poderíamos ter retomado nossas operações em outubro de 2019? Sim, mas optamos por praticar uma mineração realmente diferente, voltando somente após a implantação do sistema de filtragem de rejeitos. Acredito que a decisão foi acertada e marcará nossa história.
No último ano, foram intensificadas as iniciativas de prontidão operacional, onde se iniciou o processo de pré-comissionamento dos ativos em nossas unidades e quando começamos a dar manutenção preventiva para que tivéssemos uma retomada segura.
M&S – Com a interrupção das atividades da companhia, muitos postos de trabalho foram fechados. Agora, com a retomada gradual, a empresa pretende recontratar parte da mão de obra desligada? Nesta nova fase, há mais exigências em termos de qualificação?
Vilela – É cedo para fazermos projeções futuras sobre novos empregos diretos. Hoje, são 1.450 empregados diretos dedicados à retomada da produção, que ocorreu em dezembro de 2020, nas unidades de Germano (MG) e de Ubu (ES), com 26% da capacidade produtiva.
Atualmente, mais de 90% do nosso quadro é formado por profissionais que estiveram conosco antes do rompimento da barragem e as contratações para retomada priorizam ex-empregados desligados em função do rompimento. Além disso, a Samarco prioriza a contratação de mão de obra dos territórios de atuação da empresa.
M&S – Como a companhia pretende conjugar a expansão dos negócios com uma mineração mais sustentável? A Samarco acredita que exista ambiente, já em 2021, para que a retomada das operações da empresa possa ser acelerada?
Vilela – Optamos por retomar com 26% da capacidade produtiva, com humildade, dando um passo de cada vez, com foco em planejamento e inovação e na busca de novas tecnologias que mostrem a outra face de uma mineração mais sustentável. Para nós, a sustentabilidade é vista como responsabilidade de todos, desdobrada em áreas e atividades cotidianas, e repensá-la é se adaptar às novas exigências da sociedade para resgatar a confiança do setor.
Neste novo momento, produziremos gradualmente cerca de 8 milhões de pelotas de minério de ferro por ano, focados na segurança de todo o processo. A expectativa é que nosso segundo concentrador seja reiniciado nos próximos cinco anos para termos um ritmo
de produção de 14 a 16 milhões de toneladas por ano (Mtpa), e que o terceiro concentrador reinicie em nove anos, alcançando uma escala de 22 a 24 Mtpa. O ramp-up (aceleração) da produção de pelotas de minério de ferro estará sujeito à obtenção de licenças ambientais e de engenharia, que ainda precisam ser detalhadas para que o crescimento seja sustentável.
Hoje, para o mercado, somos uma empresa de pequeno/médio porte, mas mantivemos a diferenciação da qualidade de nosso produto.
M&S – O senhor assumiu em 2018, em meio ao desafio de viabilizar a retomada das operações da Samarco. Qual marca a sua gestão pretende deixar junto à sociedade e aos investidores?
Vilela – De que é necessário aprender para evoluir e transformar. Ao resgatarmos nossa história, reforçamos valores e promovemos uma mudança, de fato, na Samarco. Assumi a presidência em abril de 2018. O caminho até a retomada operacional apresentou inúmeros desafios. Não podemos nunca esquecer o que aconteceu. Seguimos comprometidos com a reparação dos impactos do rompimento de Fundão e com uma mineração diferente e mais sustentável.
Entrevista especial publicada em nossa edição impressa:
Edição 36 (Janeiro a Março de 2021).