A transformação já começou

Rodrigo Franceschini, presidente do Conselho de Metalurgia e Mineração da Abimaq - Foto: Divulgação.

Presidente do Conselho de Metalurgia e Mineração da Abimaq avalia como a nova indústria mineral tem acelerado mudanças no setor de máquinas e equipamentos.

Grande parte dos bens minerais extraídos no mundo tem a indústria de transformação como destino. Contudo, nesta cadeia de valor, um importante segmento faz toda essa engrenagem funcionar: trata-se da indústria de máquinas e equipamentos. No Brasil, 9 mil empresas desse setor, vinculadas às mais variadas atividades econômicas, têm seus interesses representados pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Atenta à produção mineral no Brasil e no mundo, a entidade trabalha junto à mineração para garantir a manutenção produtiva dessas empresas. Por isso, acompanha de perto não só os rumos da economia brasileira, como a incorporação da tecnologia nos processos produtivos e as demandas da indústria rumo a uma era mais sustentável.

Em entrevista à Revista Mineração & Sustentabilidade o presidente do Conselho de Metalurgia e Mineração da Abimaq, Rodrigo Franceschini, avalia a preparação da indústria brasileira de máquinas e equipamentos para um futuro cada vez mais eletrificado e cita alternativas para uma possível escassez de minerais estratégicos, essenciais a dispositivos como as baterias. Ele ainda pontua questões que, em sua visão, tem impedido a expansão da indústria brasileira.

Confira a entrevista completa:

Mineração e Sustentabilidade – Para cumprir o Acordo de Paris, as maiores economias do mundo se comprometeram a zerar suas emissões de carbono líquidas até 2050. Como os acordos ambientais irão transformar a indústria de equipamentos e afins nos próximos anos?

Rodrigo Franceschini – Os acordos ambientais e políticas ESG (ambiental, social e de governança) trazem demandas concretas para a indústria de equipamentos. Essa transformação já começou; não há como atingir essas metas sem criar novas tecnologias e equipamentos. Em relação à mineração no país, podemos destacar quatro importantes eixos de mudança.

O primeiro diz respeito à reavaliação da eficiência processual e energética de toda a planta. Boa parte do parque mineral instalado no país requer equipamentos mais eficientes e tecnológicos. Isso aumentaria as possibilidades de processamento a seco ou próximo à lavra e reduziria tanto o consumo de recursos hídricos quanto o transporte de materiais para as usinas.

O segundo trata da necessidade de projetar e/ou adaptar minas e plantas de beneficiamento para recuperar e, se possível, cogerar energia. Já a terceira questão envolve uma produção mais limpa ao longo de toda a cadeia. Empresas como as siderúrgicas poderão se beneficiar de um minério ou insumo mais nobre, resultado da menor emissão de carbono em seus fornos.

Em quarto lugar, as mineradoras deverão melhorar a eficiência energética de equipamentos movidos a combustíveis fósseis ou materiais orgânicos, como veículos de mina ou de planta, operações de secagem, calcinação e reatores e geradores térmicos a base de óleo combustível, diesel e gás. Outra opção é substituí-los por outros com fontes renováveis e mais limpas, como a elétrica, a solar, o gás de cogeração ou eventualmente o hidrogênio.

Isso fará com que as indústrias mineral e de equipamentos continuem desenvolvendo novos processos e tecnologias de beneficiamento. Hoje, os projetos de pesquisa e desenvolvimento em eficiência energética já são um diferencial competitivo de vários fabricantes nacionais.

M&S – A falta de silício e a alta demanda por cobre dificultam o aumento da produção de energia limpa, por serem necessários à fabricação de placas solares e à condução de energia. Como a Abimaq avalia esses obstáculos à economia verde?

Franceschini – Nos últimos anos, a demanda por energia elétrica está em ascensão, assim como o uso de placas fotovoltaicas no Brasil. Mesmo com as maiores reservas mundiais de quartzo (de onde se extrai o silício), o país importa, a altos custos, as lâminas de silício purificado para a produção desses painéis. Para enfrentar os obstáculos da economia verde, é preciso desenvolver tecnologia local e resolver desafios da conjuntura econômica e dos gargalos do país. Ainda assim, a Abimaq acredita que novos fabricantes implantem unidades fabris no Brasil para atender essa demanda.

Quanto ao cobre, as plantas instaladas garantem suprimento atual ao país. Além disso, a produção brasileira tem aumentado significativamente nos últimos anos e novos projetos devem ser implementados em curto prazo. Os obstáculos estão nas atividades subsequentes à extração mineral, mas as tecnologias e equipamentos existem para isso.

M&S – O setor mineral brasileiro está preparado para a eletrificação da indústria, projetada com o avanço da nova economia? É possível que uma eventual escassez desses produtos eleve a pressão sobre os preços dos minerais estratégicos?

Franceschini – O setor mineral já iniciou a busca por soluções que o livrem da dependência de carbono, como a conversão para veículos elétricos; o investimento em energia eólica e solar e em tecnologias com mais eficiência energética; e a adoção de processos produtivos a seco. O uso do hidrogênio ainda requer análises sobre a segurança de funcionários e instalações.

Inicialmente, a demanda por matérias-primas poderá causar impacto nos preços dos metais estratégicos, embora a oferta deva ser ajustada gradativamente, já que maioria desses produtos acompanha os preços das commodities. Por outro lado, o uso de processos e tecnologias mais eficientes pode proporcionar ganhos de escala e reduzir custos operacionais, equilibrando os preços e a oferta de produtos.

M&S – Diante da necessidade de suprir uma falta de minerais estratégicos, quais são as linhas de pesquisa mais promissoras na indústria? O que fazer para contornar esse desafio?

Franceschini – A mineração e a indústria de máquinas já se mobilizam para aumentar
a produção dos metais carentes no mercado – por meio da oferta de equipamentos que melhorem os processos produtivos – ou elevar a eficiência e a capacidade instalada de produção. O Brasil é um grande produtor de metais básicos, como cobre, níquel, zinco, alumínio, ferro e manganês, que estão em crescente produção. Metais ‘especiais’, como nióbio, vanádio, titânio, lítio, cromo, terras raras e ouro, já contribuem tanto para o mercado nacional quanto internacional. Há pesquisas e projetos em quase todos esses segmentos.

Historicamente deficitário na produção de minerais estratégicos para a indústria de fertilizantes, como enxofre, fosfato e potássio, o Brasil tem implantado vários projetos nos últimos anos para se tornar autossuficiente neste quesito. Embora devemos apostar no crescimento orgânico das mineradoras, também é preciso que o Brasil invista e aprofunde suas pesquisas geológicas, principalmente em relação aos países na vanguarda da mineração. Só assim será possível diversificar nossa matriz mineral.

M&S – Qual é a expectativa da indústria de máquinas e equipamentos diante da guinada mundial para uma economia que privilegia a eletricidade? Como o segmento tem se preparado para acelerar e otimizar essa transição?

Franceschini – A Abimaq e seus associados sempre se mantiveram na vanguarda da indústria, contribuindo com as políticas públicas e na busca por soluções tecnológicas mais efetivas e atuais. A transição já começou e estamos indo bem. Qualquer equipamento pode ser movido à eletricidade. Em função do custo, o desafio era fazer essa transição em equipamentos móveis e outros de grande porte e/ou específicos, o que tem mudado graças a iniciativas recentes e à popularização das baterias de alto desempenho.

Nos próximos anos, nossa expectativa é atender a uma demanda crescente por equipamentos móveis modificados para o uso de fontes alternativas, que consumam menos energia e contribuam para uma mineração de ‘carbono zero’.

M&S – A pandemia de Covid-19 acelerou mudanças nas relações de trabalho, gerando oportunidades para o segmento de máquinas e equipamentos. Para a Abimaq, a crise contribuiu para antecipar essa nova era econômica e trazer mais inovação ao setor mineral?

Franceschini – A pandemia criou oportunidades para se utilizar ou substituir máquinas
e equipamentos graças à busca pelo trabalho remoto, pelo controle e monitoramento contínuo, por mais automação de processos e eficiência processual e por ferramentas para diagnóstico e serviços a distância. Hoje é difícil imaginar uma demanda que não atenda algum desses requisitos. Os veículos autônomos já são realidade em mineradoras de grande porte, bem como os dispositivos de realidade virtual e de análise visual remota para identificação de problemas em campo.

Porém, como as mineradoras normalmente se encontram distantes dos grandes centros, nem sempre providas de uma boa rede de telecomunicações, há uma dificuldade adicional para uso dessas inovações. A implantação das redes 5G pode democratizar essa oportunidade a todos.

M&S – Há incentivos governamentais suficientes para que a mineração do país aproveite essa transição de modelo econômico, beneficiando outros segmentos como o de máquinas e equipamentos?

Franceschini – O tema é complexo…, o Brasil precisa de uma política industrial robusta, que ofereça um ambiente para o desenvolvimento da mineração e do segmento de máquinas e equipamentos. Segurança jurídica aos investidores, simplificação e equilíbrio tributário, infraestrutura para escoar a produção e encargos trabalhistas realistas são medidas essenciais.

Para manter a mineração forte, o Brasil terá que criar condições para o desenvolvimento dos demais elos dessa cadeia – como fornecedores de serviços, equipamentos, pesquisa, insumos, logística e clientes – bem como agregar mais valor à sua produção, exportando não só o minério in natura, mas o beneficiado ou industrializado. É o que fizeram Canadá, Austrália e China. Caso contrário, o Brasil permanecerá sujeito à variação dos preços das commodities e ficará à mercê de tecnologias de terceiros.

M&S – A mineração brasileira vive um paradoxo: há abundância de metais e minerais em solo nacional, mas faltam meios para agilizar o acesso às reservas. Como conciliar as demandas da indústria com o tempo necessário à exploração legal e sustentável?

Franceschini – De fato, há um tempo longo entre os estudos geológicos e a implantação da mina e da planta de beneficiamento. Nesse percurso, estão envolvidos riscos e altos investimentos. O potencial brasileiro é enorme, mas é constantemente estrangulado por falta de visão e comunicação, por questões estruturais – como Custo Brasil, falta de infraestrutura, energia, burocracia, alta tributação, insegurança jurídica – e por questões político-ideológicas.

Para agilizar a exploração legal e sustentável é fundamental que o Brasil crie um plano de desenvolvimento mineral. As principais entidades do setor de mineração e o governo devem se espelhar no agronegócio e se unir. A mineração tem condições de agregar mais ao país: gerar divisas e empregos qualificados, reter talentos, atingir a autossuficiência e proporcionar desenvolvimento regional e tecnológico, com proteção ambiental.

A cadeia produtiva da mineração deve ser vista como um enorme indutor de desenvolvimento ao Brasil. Resta vontade política e visão estratégica para tal. Quando tivermos isso, o setor se tornará mais atrativo, abrindo caminho para novos projetos e recursos, com mais celeridade.

 

Entrevista especial publicada em nossa edição impressa:
Edição 39 (Outubro a Dezembro de 2021).