Dano colateral

Foto: João Ramid/ Divulgação Hydro.

*Por Milton Rego

Escrevo este texto no início de junho, em um momento sensível para o setor de mineração no Brasil. É absolutamente compreensível que depois das tragédias de Mariana e de Brumadinho, ambas provocadas pelo rompimento de barragens de rejeitos, a mineração brasileira tenha se tornado a ‘Geni’ da famosa canção de Chico Buarque, espécie de praga a ser execrada e banida para sempre da vida nacional.

Boa parte dos brasileiros enxerga hoje, de forma equivocada, a mineração como uma atividade irresponsável, predatória, dispensável. Ecoando esse sentimento, existem atualmente no Parlamento Nacional dezenas (sim, dezenas) de Projetos de Lei (PLs) tratando de mineração. Em comum, numa mistura de pressa em dar uma resposta à sociedade e desconhecimento da matéria, conferem o mesmo tratamento a coisas distintas e, caso aprovados, podem pôr a perder uma atividade fundamental para o desenvolvimento do País.

É ponto pacífico que algo precisa ser feito para garantir uma gestão segura das barragens de rejeitos. A fim de atender a essa demanda, alguns dos PLs apresentados no Congresso procuram dar meios ao poder público para realizar de forma eficaz esse controle, que me parece a maior prioridade no momento. Por outro lado, boa parte dos projetos traz propostas que em nada melhoram as questões de segurança e, caso venham a ser transformados em lei, farão subir às nuvens os custos das operações, inviabilizando-as.

Cito dois exemplos: a ideia de se instituir um seguro contra o rompimento de barragens e a volta da tributação sobre o mineral exportado (abolindo a conhecida Lei Kandir).Tratam-se de medidas despropositadas e arrecadatórias. O que devemos discutir e estabelecer são padrões de segurança, responsabilidades e fiscalização eficiente, para que incidentes com barragens não voltem a acontecer.

Acima de tudo, é preciso esclarecer que não existe “a mineração”, mas “minerações”. Cada uma tem as suas características, necessidades e impactos, que precisam ser colocados na balança na hora em que se pretende aperfeiçoar a legislação do setor. A mineração da bauxita, por exemplo, tem especificidades distintas das demais cadeias minerais metálicas. A maior parte da sua produção, 75%, é industrializada aqui mesmo, gerando empregos e tributos ao País. Seus padrões de sustentabilidade estão em linha com o que há de mais avançado no mundo. Suas empresas são referência em reabilitação de áreas mineradas e em boas práticas de sustentabilidade. Ou seja, a mineração da bauxita no Brasil é social e ambientalmente responsável.

Mesmo assim, se encontra sob intensa pressão, como o resto de toda a cadeia produtiva do alumínio. A precária infraestrutura do País, os altos custos logísticos, a insegurança jurídica provocada pelo cipoal regulatório, o custo proibitivo da energia, entre outros fatores, vêm minando a competitividade da indústria nacional. O Brasil já foi exportador de alumínio e dos seus produtos, mas desde 2014 se tornou um importador líquido. Saímos de uma produção de 1.7 milhões de toneladas/ano de alumínio primário para menos de 700 mil toneladas/ano registradas em 2018.

Esse mesmo fenômeno pode ser repetir com a bauxita. Temos a terceira maior reserva mundial, mas, diferentemente do que acontece com minério de ferro, o mundo (inclusive a China) tem outras alternativas de igual ou melhor qualidade do que a bauxita brasileira. Os maiores investimentos na atividade se concentram em países como Austrália, Guiné e em nações do Sudeste Asiático. No Brasil, os custos relacionados à cadeia da bauxita são maiores do que os dos países concorrentes.

Uma eventual elevação tributária ou medidas ainda mais restritivas à mineração indistintamente podem solapar a estrutura de custos das nossas lavras, levando à paralisação da sua produção. A mineração de bauxita terá, então, se transformado no dano colateral de uma guerra em que todos perdem. É isso mesmo o que nós queremos para o País?

 

*Milton Rego é Engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral, desde 2014 é o presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).