Presidente executivo da Abal, Milton Rego fala sobre o atual momento de retração da produção, mostra-se otimista com o futuro e defende a sustentabilidade do setor.

O alumínio seria um produto praticamente perfeito, não fosse o preço mais alto na comparação com outros materiais, como o aço. É resistente, versátil, leve e, principalmente, amplamente reutilizável – característica muito valiosa num mundo cada vez mais atento à agenda ambiental e à eficiência econômica. No Brasil, a Associação Brasileira do Alumínio (Abal) reúne 100% das empresas produtoras de alumínio primário, além de grande parte das transformadoras. À frente da entidade está o economista e engenheiro mecânico Milton Rego, personagem com mais de 20 anos de experiência no meio industrial.

Na entrevista à Mineração & Sustentabilidade, o presidente executivo da Abal fala sobre o cenário atual de retração do setor, interpreta as causas para o recuo e aponta caminhos. Munido de dados, Rego argumenta que a indústria está represada não somente em função da queda vertiginosa da economia, mas pela falta de políticas públicas que fortaleçam a competitividade dos produtores. É o caso de um dos principais insumos da cadeia, a energia elétrica, que em 2015 chegou a representar mais de 60% dos custos de produção. Ele também cita o fato de o alumínio ser um produto relativamente novo. Isso leva à falta de conhecimento dos profissionais sobre seu uso e sua capacidade.
Milton Rego detalha as vantagens e as desvantagens do produto em relação a materiais concorrentes, os desafios de produzir no Norte do país e valoriza a pegada sustentável do alumínio. Dentre essas vantagens estão o aumento da eficiência do consumo de combustível quando aplicado no setor de transportes e os altos índices de reciclagem. O executivo cita estimativas que calculam que 75% do alumínio produzido ainda esteja em uso.

 

Mineração & Sustentabilidade  Em 2015, houve recuo do consumo de alumínio no país. O cenário foi o mesmo no âmbito internacional? Quais os fatores apontados para a queda?

Milton Rego  O desempenho brasileiro foi aquém do internacional na produção e no consumo. O consumo de alumínio no mundo cresce sistematicamente nos últimos 40 anos. Não houve nenhum ano em que foi inferior. Mas no Brasil, infelizmente, houve queda em 2015, que possivelmente vai se acentuar em 2016 devido à economia. Isso nunca aconteceu no Brasil, mas não só especificamente no setor do alumínio: na economia também. O uso do alumínio no mercado nacional tem crescido mais do que a média de desempenho da economia mundial. Caso o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 2% ao ano, o consumo de alumínio deve crescer 6%. Isso porque, diferentemente de outros metais, o alumínio é um metal muito recente. A utilização do alumínio tem cerca de cem anos. Está em transição na sociedade, substituindo outros materiais. Esse uso crescia no Brasil até 2014. De lá para cá, começamos a ter uma queda que afetou o consumo. Dependendo do desempenho da economia em 2016, a redução esperada é de 4% a 5%. Com isso, o Brasil vai voltar ao nível de consumo de sete anos atrás.

M&S  Você afirmou que, no segundo semestre de 2015, o setor de alumínio nacional viveu o seu pior momento em 30 anos. Quais as perspectivas para os próximos anos?

MR  Do ponto de vista de médio prazo, não há dúvidas de que consumo do alumínio vai continuar crescendo e vai retomar a taxa média de crescimento. Com a perspectiva de que a economia vai se recuperar, o consumo de alumínio também deve crescer. O consumo de alumínio está relacionado com o crescimento da renda, urbanização e sustentabilidade. Por exemplo: o alumínio entra na parte de transporte – automóveis, aeronaves, navios,… Tudo está relacionado com a eficiência de combustível, pois a introdução do alumínio no transporte buscou a diminuição do peso e, portanto, menor consumo. Outro ponto: quanto mais leve a carroceria de um caminhão, maior a capacidade de carga. Essas duas coisas estão relacionadas com a redução da emissão de gases do efeito estufa. Em países como os Estados Unidos há uma exigência de eficiência de combustível muito grande, principalmente para reduzir emissões. A forma mais efetiva para conseguir isso é diminuir o peso sem perder características. Isso vale para navios, transporte urbano e transporte de massa como metrô, trem e transportes leves. Na construção, em mercados mais maduros como Europa e Japão, o alumínio entra em pontes e viadutos, pois há preocupação com a vida útil do equipamento. Já na parte de embalagem, está muito relacionado com a urbanização. Nos ambientes urbanos, grande parte do consumo é de alimentos industrializados. E a melhor forma de conservar comidas e bebidas é por meio do alumínio. À medida que aumenta o percentual de habitantes morando nas cidades, aumenta o consumo de alumínio. E finalmente vêm os novos mercados, como painéis fotovoltaicos, que são feitos de alumínio, iluminação urbana, dentre outros.

M&S  Quais são os principais clientes industriais do setor no Brasil e no exterior?

MR  Os principais clientes são montadoras de todos os setores de transporte, autopeças, embalagens e a construção civil. Um prédio novo tem toneladas de alumínio, como nos usos mais tradicionais, em estruturas de janelas e portas. Depois de pronto e habitado, o alumínio está presente em eletrodomésticos, linha branca, puxadores de móveis, entre outros. Internacionalmente, o setor mais importante é o de transporte. No Brasil, o de embalagens. A diferença é entre países de renda média e alta. Países desenvolvidos não têm grande crescimento populacional nas cidades, diferentemente de países como Índia e China. A indústria de transporte dos países de renda alta tem produtos que usam muito mais alumínio do que os nossos. Os Estados Unidos têm carros cujas carrocerias são totalmente de alumínio.

M&S  Como a Abal atua na importante frente do desenvolvimento de mercado?

MR  Há algumas funções que são iguais para todas as associações. A primeira é dar condições para os associados se desenvolverem. Há uma questão importante de difusão de tecnologia, de melhor governança. Outra é utilizar o que já existe da melhor maneira com o objetivo de melhorar a média da indústria. Isso é importante no Brasil para as pequenas e médias empresas. Outra preocupação é a de práticas desleais de mercado, de analisar parceiros comerciais no Brasil, como estão lidando com seções da exportação de alumínio. O que buscamos é identificar práticas usuais e fazer medidas de defesa comercial, como no caso de países exportando para o Brasil abaixo do preço de custo. Um desafio que enfrentamos é o pouco conhecimento sobre alumínio nos cursos de graduação e cursos técnicos. É uma questão relacionada com o fato de a criação do alumínio ser recente. Se você pegar um curso de engenharia mecânica, os engenheiros vão ter muito mais conhecimento sobre aço do que sobre alumínio. A mudança é muito lenta. Uma questão importante é o treinamento e a difusão para fora da indústria. Um exemplo está na arquitetura. Há muitas estruturas que usam o material, como em prédios públicos, museus, aeroportos, mas o arquiteto ainda conhece bem pouco do alumínio. Isso restringe a utilização. Outro fator é o desenvolvimento de projetos. No ano passado, a Abal desenvolveu uma estrutura de carroceria com uma empresa. A ideia foi criar uma carroceria que tivesse manutenção facilitada. É fácil você descobrir um carroçador que trabalhe com aço, mas não é fácil descobrir um que trabalhe com alumínio, pois a solda é diferente. Esse projeto foi colocado à disposição das empresas que quisessem desenvolvê-lo. Além disso, a Abal trabalha com análise de mercado, envolvendo toda a parte de inteligência e preparações.

M&S  Quais as vantagens e desvantagens do alumínio em relação a produtos concorrentes, como o aço e o plástico?

MR  A desvantagem do alumínio é o preço. Porém, quando comparado com aço ou plástico, apresenta muitas vantagens. O comportamento do alumínio está muito relacionado com o tipo de liga que o forma. Quando se faz uma folha de alumínio para ser usada em casa, é necessário um metal dúctil e maleável. Quando se faz um avião, é necessário um material que tenha a maior resistência possível. Entre uma coisa e outra há diferença pequena no percentual de ligas. Por exemplo: numa latinha de refrigerante, a parte de cima da lata é mais resistente do que o restante. A parte de cima tem um encaixe que vai selar a lata. A cada utilização do alumínio há uma resistência diferente. Não se consegue fazer certas estruturas com aço. O alumínio tem pontos de fusão e de fluidez muito maiores, além de maior condutividade que o aço. Esses pontos correspondem a um terço da massa específica do volume do aço. É possível produzir estruturas muito mais leves. E é por isso que os automóveis começam a ter cada vez mais alumínio. Com relação ao plástico, o material é mais complexo. O material composto do plástico é caríssimo. Se formos comparar o alumínio com o plástico comum, usado em pet, por exemplo, o alumínio é mais inerte. O líquido que está no pet fica com gosto de plástico. No alumínio não tem isso. O alumínio é uma barreira melhor contra as luzes. Por conta dessas características, você vê cada vez mais embalagens de alumínio e menos de plástico. Outro ponto é a reutilização do alumínio. Quando você pega uma lata no supermercado, essa lata era outra lata alguns dias atrás. São vantagens do ponto de vista de economia de energia, entre outros.

M&S  Como o setor se adaptou aos novos tempos de energia mais cara e, além disso, aos riscos relativos à oferta? Esse contexto afetou a competividade dos produtores?

MR  Afetou muito. O Brasil chegou a produzir 1,6 milhão de toneladas de alumínio. A previsão para este ano é de 780 mil toneladas. Isso ocorreu muito em função do custo industrial de energia elétrica. Todos os setores tiveram um impacto muito grande. A indústria não se adaptou. Ela cortou custos, aumentou eficiência das plantas, mas chegou a um limite em que as de maior custo tiveram de ser fechadas. No mundo inteiro, o peso da energia elétrica no custo total do alumínio gira entre 30% e 40%. No Brasil, esse custo chegou a 62% em 2015. Em 2014, eu me lembro de ter conversado com o governo sobre a possibilidade de apagão. Hoje o Brasil está vendendo energia para a Argentina. A queda do consumo, especialmente do consumo industrial, tirou esse fantasma da frente da indústria, justamente porque a economia encolheu. Os investimentos em energia no Brasil continuam muito atrasados. Outro ponto é o fato de o Brasil optar por ter energia barata para as residências. O custo da energia para o setor industrial cresceu muito em função desse contexto. Desde o início dos anos 2000, o custo está crescendo 10,5% ao ano. A energia onera os custos da indústria de alumínio brasileira em mais de 50%. Ter uma energia para o setor industrial competitiva significa ter um setor industrial competitivo, crescendo mais, gerando mais emprego e trazendo mais benefícios para a população. No Brasil, o preço das energias em geral é um dos mais caros do mundo. A conta não fecha. E isso tem um peso importante no porquê de o Brasil ter deixado de produzir cerca de 800 mil toneladas de alumínio. Esse volume foi importado de algum lugar, de países como a China, que tem uma matriz energética muito mais poluente do que a do Brasil, baseada no carvão. Há um vazamento de carbono quando o Brasil deixa de produzir alumínio.

M&S  Com relação ao mercado externo, o valor das exportações em 2015 ficou estável em relação a 2014. Como o senhor interpreta esse dado?

MR  Houve uma diminuição de preços do metal. O volume exportado cresceu, mas o preço diminuiu. Caso o preço tivesse se mantido, o Brasil teria exportado mais. O país está aumentando as vendas de bauxita e de alumina. A bauxita brasileira é de excelente qualidade e está tendo substituição do alumínio de qualidade em função do patamar da taxa de câmbio.

M&S  Um grande polo produtor é o Norte do país. Quais os desafios e as vantagens de produzir nessa região?

MR  As vantagens são que as reservas são muito boas. Do ponto de vista de qualidade somos os melhores do mundo. As desvantagens estão ligadas à logística. A infraestrutura da região é muito precária. Esse fator faz aumentar os custos. A vantagem de o Brasil ter práticas sustentáveis de mineração nos coloca em pé de igualdade com os melhores do mundo – Canadá e Austrália. Só que o mercado internacional não paga a mais por isso. Um desafio é estar no bioma amazônico. Isso chama mais a atenção. No entanto, o Brasil tem muita tecnologia para trabalhar na Amazônia. A regeneração de áreas exploradas no país tem padrão internacional, e ainda mais alto na Amazônia. A discussão é muito acalorada, muito sensível e isso traz um ônus internacional. Ainda assim, vejo que o Brasil está se dando muito bem em termos de relacionamento com a sociedade e o meio ambiente.

M&S  O vínculo entre a reciclagem e a indústria do alumínio é histórico. Como se deu esse processo e quais as principais motivações para sua implementação?

MR  O custo de reciclagem do alumínio é muito baixo. A demanda corresponde a apenas 5% da energia necessária para a produção do produto primário. Isso faz com que a sucata seja muito valiosa. É uma questão econômica. O Brasil desenvolveu toda a cadeia da sucata do alumínio, desde as cooperativas dos catadores até as empresas de reciclagem. Isso é histórico e o país tem níveis de reciclagem urbana de alumínio muito altos.

M&S  Qual a importância socioeconômica da reciclagem de embalagens e latas de alumínio?

MR  A manutenção do índice próximo aos 100% de reciclagem é uma demonstração de que o modelo, referência para a construção da Política Nacional de Resíduos Sólidos, está consolidado e serve de exemplo para uma economia de baixo carbono, com geração simultânea de emprego e renda. Foram injetados R$ 845 milhões diretamente na coleta de latinhas em 2014. O número corresponde a 1,2 milhão de salários-mínimos. Daria um salário-mínimo por mês para cada habitante de uma cidade com cerca de 95 mil habitantes. A reciclagem de alumínio representa hoje um terço da demanda doméstica do metal. Desde 2001, o Brasil é líder na reciclagem de latinhas de alumínio, com índice de 98,4%. A atividade conta com um mercado maduro e estabelecido em todo o país, com centros de coleta, facilidade de transporte e venda. Vale frisar que o processo de reciclagem de alumínio reduz em 95% a emissão de gases de efeito estufa, quando comparado com a produção de alumínio primário. Entre outras ações, a Abal representa o setor no novo sistema de medição da pegada de carbono e água da ABNT. Fabricados a partir da hidroeletricidade e com elevados índices de reciclagem, os produtos de alumínio fabricados no país têm uma pegada de carbono menor que a dos itens importados. O alumínio é um mercado muito desenvolvido no que se refere ao reúso. Estima-se que 75% de todo o alumínio já produzido ainda esteja sendo utilizado.

M&S  Quais as principais medidas a serem adotadas nos âmbitos corporativo e de políticas públicas para fortalecer a indústria do alumínio?

MR  O Brasil sofre por não ter uma política industrial para a indústria de base. A Abal está levando ao governo uma proposta de política industrial para o setor do alumínio. A proposta abrange oito áreas sensíveis à competitividade da nossa indústria: política comercial, política energética voltada ao desenvolvimento industrial, política de apoio à reciclagem, me¬didas para reduzir o custo do investimento, incentivo ao desenvolvimento tecnológico, formação de capital humano e redução de custos trabalhistas, política mineral, polí¬tica de compras do Estado, além de questões estruturais e regulatórias que afetam toda a indústria. Se adotadas, as medidas vão resgatar a competitividade do setor e assegurar o avanço balanceado de toda a cadeia produtiva, recuperando a produção primária e mantendo o que foi investido na etapa de transformação. Com a recuperação da rentabilidade dos negócios vêm os investimentos e o aumento da produtividade. Assim a indústria vai poder manter os empregos e promover a geração de postos de trabalho e de riquezas para o Brasil.

 

MILTON REGO – Perfil
Engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral. Presidente executivo da Abal desde julho de 2014, é também diretor da Abag e conselheiro da Fiesp. Tem 35 anos de experiência no setor industrial. Trabalhou na Case New Holland Industrial (CNHI), tendo ocupado, dentre outros, o cargo de diretor de Comunicações e de Relações Externas. Foi vice-presidente da Anfavea e vice-presidente da Câmara Setorial de Máquinas Rodoviárias da Abimaq.