Moradores da região da Bacia do Rio Doce e sociedade civil aguardam desfecho de histórias interrompidas pela ruptura da barragem de Fundão.
Neste domingo, 5 de novembro, o maior desastre da mineração mundial completa dois anos, deixando memórias apagadas pela lama e um rastro de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos espalhados por quase 700 km, de Fundão ao litoral do Espírito Santo, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entre os impactos, a morte de 19 pessoas; a destruição de comunidades; as perdas ambientais, sociais e materiais, além de inúmeros transtornos para os municípios ao longo do Rio Doce e litoral norte capixaba.
Desde então, sobram perguntas como “Qual a situação das regiões afetadas?”, “Como estão as vítimas e os envolvidos?”, “Quais ações foram desenvolvidas para mitigar e recuperar os danos?”, “O que falta para a Samarco voltar à ativa?”. A Revista Mineração & Sustentabilidade consultou fontes, entidades, documentos e a mineradora para responder a essas perguntas.
Prefeito de Mariana desde aquela época, Duarte Junior (PPS) vê as feridas do evento ainda abertas. “Vivemos uma tragédia por dia. A maior foram as pessoas que perdemos; nada diminui essa dor. Mas, como somos uma cidade mineradora, nossa economia depende da Samarco”, lamenta.
Nos meses subsequentes à tragédia, Mariana perdeu R$ 5 milhões vindos da atividade mineral, que ainda gerou R$ 17 milhões ao município. Hoje, 80% da receita local vem do setor.
Se por um lado a população de Mariana anseia pelo retorno da Samarco, por causa dos empregos perdidos, por outro, ela entende que há o que ser reparado. “O povo de Mariana reconhece e responsabiliza quem deu causa aos fatos, assim como deseja o retorno da empresa. Eles se perguntam: ‘Por que está demorando tanto?’. A Samarco já poderia estar ativa”, ressalta.
José do Nascimento de Jesus, o Zezinho do Bento, é membro da Comissão de Moradores de Bento Rodrigues e presidente da Associação Comunitária. Aos 72 anos, ele e outras vítimas da tragédia aguardam a indenização de direito e a aprovação do projeto de reassentamento dos moradores, enviado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). “Queremos nosso reassentamento e o sossego perdido; uma vida semelhante a que tínhamos: com nossa gente unida, nossas colheitas, o leite tirado na hora e a criação de galinhas. Vamos manter as mesmas ruas, nomes e vizinhança”, planeja.
Segundo Zezinho, os moradores acreditam que o retorno das atividades da mineradora deve acelerar o pagamento da indenização. “Não somos contra a Samarco voltar. Mas queremos nosso dinheiro e que ela volte com cautela para não repetir o mesmo erro. O governo federal deve exigir tudo o que for preciso para que ela funcione e nossa indenização saia”.
A nova rotina na Samarco
O sentimento descrito por Zezinho se traduz na área da mina da Samarco, onde apenas 1.800 dos 3 mil funcionários diretos empregados em 2015 foram mantidos para conservação das máquinas. Outros 800 colaboradores tiveram seus contratos suspensos temporariamente, estratégia da empresa para não demiti-los. Os demais optaram pelo plano de demissão voluntária ou foram inclusos no programa de demissão involuntária. Além dos empregos diretos, 3 mil postos de trabalho indiretos foram fechados, segundo a mineradora. Ao longo de toda a cadeia de produção da Samarco, quase 20 mil empregos diretos e indiretos no Brasil foram perdidos, segundo levantamento da Consultoria Tendências.
Atualmente, as operações na Samarco se resumem em manter os equipamentos limpos e funcionando periodicamente para que não deteriorem.
Trata-se de um patrimônio que movimentou, em 2015, 24,9 milhões de toneladas, sendo 97% em pelotas e 3% em finos de minério de ferro. Já em Fundão, por sua vez, resta uma cratera, enquanto no caminho da lama, há um cenário intermediário, onde as ruínas e a natureza em recuperação criam contraste.
Desde o fim de 2015, ações emergenciais de contenção e estabilização foram realizadas pela Samarco. Era preciso garantir que a ruptura em Fundão não danificasse as barragens de Celinha e Sela Tulipa, nem que os rejeitos continuassem a se mexer. De acordo com o superintendente do Ibama em Minas Gerais, Marcelo Belisário, a empresa cumpriu com as ações, acordadas até 31 de dezembro de 2016 por meio do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC).
Entre as ações estão o reforço das estruturas remanescentes; a construção de novas estruturas de contenção; o início do Eixo 1, que serviu como forma de retenção parcial; a construção da nova barragem de Santarém e do dique S3, inclusive com os alteamentos. Apesar de as medidas terem controlado o derramamento de rejeito, a reportagem da Mineração & Sustentabilidade observou que, logo após o dique S4, a água voltou a se tornar turva ao entrar no Rio Gualaxo.
Revisão do acordo
Para focar no retorno de suas operações, a Samarco repassou a compensação e a mitigação dos danos do evento à Fundação Renova, em acordo com a União e demais instituições. A entidade é composta por especialistas, técnicos e auditores independentes, além de um conselho consultivo formado por representantes do Ministério Público Federal (MPF), do Comitê Interfederativo, de Comitês de Bacias e das comunidades impactadas.
O procurador e coordenador da força-tarefa do MPF em Minas Gerais, José Adércio Leite Sampaio, contudo, acredita que o acordo que criou a Renova foi apressado. “Ele é frustrante, pois o que era esperado ainda não foi cumprido. A União atravessou a negociação ao propor um acordo que tem pontos positivos, mas teria sido melhor se o que definimos fosse respeitado”.
Enquanto renegocia e revisa o TTAC, a força-tarefa se organiza, há quatro meses, em um grupo um para avaliar e definir o que precisa ser feito, e outro para assessorar as comunidades. “Há várias ações paradas e muitos programas desconexos – para água, mata, peixe – que poderiam ser reunidos. Além de revisá-los, temos o desafio de fechar um acordo que contemple a participação das comunidades e do grupo de experts”, avalia Sampaio.
Ações práticas
A demora fez as ações emergenciais entre Bento Rodrigues e a Usina de Candonga se tornarem urgentes. “O evento pode ser reavivado a cada chuva ou mesmo com a poluição e a degradação”, explica Belisário. Muitas ações integradas já foram feitas no trecho, como a contenção da fonte de rejeitos e a construção do dique S4. “A partir do S4, a erosão se generalizou por causa da chuva que enlameou mais de 100 afluentes, por onde a lama avançou quilômetros adentro. Obras de drenagem e plantios emergenciais ajudaram a escoar a água, fixar o rejeito e estabilizar as margens com risco de ceder”, detalha o superintendente do Ibama no estado.
Três barreiras dentro do esvaziado Reservatório de Candonga minimizam o movimento maciço de rejeitos. O barramento A ficou pronto recentemente e o B funciona desde abril. Já o C, de acordo com a líder do programa de manejo de rejeitos da Fundação Renova, Juliana Bedoya, teve todas as estacas cravadas. “Mas ainda falta fechar e fazer algumas obras nas laterais. A conclusão está prevista para dezembro”, afirma. Ainda assim, um milhão de metros cúbicos de rejeitos precisam ser retirados.
Retorno das atividades
A Samarco aguarda duas licenças para voltar à ativa: uma para o depósito de rejeitos produzidos pela mina de Alegria Norte na Cava de Alegria Sul, outra a Licença Operacional Corretiva (LOC). Membros da empresa dizem que a cava está em uma região geológica segura, além de ser dotada de características que impedem qualquer abalo estrutural, mesmo cheia. Como não suporta um grande volume de rejeitos, o local seria apenas temporário. Em plena produção à época do evento, a cava ainda possui bastante minério a ser explorado.
A mineradora propõe que, após o primeiro ano de uso da Cava de Alegria Sul, sejam construídas duas plantas de filtragem com tecnologia para retirar a água e empilhar 80% do rejeito arenoso. Apenas 20% dos rejeitos serão lama, aumentando sua vida útil em quatro anos. Se outra forma viável de armazena-los for encontrada, ela poderá voltar a ser minerada no futuro.
A companhia busca aprovar tal licença antes de a LOC ser protocolada, o que só ocorrerá quando a cidade de Santa Bárbara conceder a Carta de Conformidade ou a mineradora trouxer uma solução de captação de água para as operações. De acordo com a Samarco, assim que a Semad conceder a licença, a empresa levará de 4 a 5 meses para preparar a área.
Frentes de atuação
O prefeito de Mariana considera que, apesar das inúmeras ações, a impressão é que falta algo mais palpável. “Não podemos ser ansiosos, mas a população espera por algo a mais. Há muitos programas sendo desenvolvidos e vários pré-projetos, mas nada concreto em favor de toda a cidade”. A Samarco e a Renova informaram que, desde o rompimento de Fundão, cerca de R$ 2,3 bilhões foram desembolsados em ações para recuperar e compensar os danos da maior tragédia ambiental da história da mineração brasileira. Elas estão detalhadas no site da Fundação Renova (www.fundacaorenova.org).
DOS FATOS AOS ATOS
Conheça algumas ações implementadas pela Samarco e a Fundação Renova a fim de reparar as perdas causadas pela ruptura de Fundão:
5 nov. 2015 a dez. 2015 – Da tragédia às medidas emergenciais
Com o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro, várias famílias foram alojadas em moradias alugadas. Hoje, 291 delas moram de aluguel, em Mariana, e 44, em Barra Longa.
Dez. 2015 a ago. 2017 – Garantia de educação e saúde
As ações realizadas garantiram escolas temporárias e transporte aos alunos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo; fornecimento de vale-transporte para professores e funcionários residentes em Mariana; a retomada das aulas na Escola Municipal Gustavo Capanema, em Gesteira; o acompanhamento pedagógico e psicopedagógico nas escolas atingidas e na rede municipal de Barra Longa e Mariana; além de projetos de estímulo à leitura e à conscientização ambiental. Na outra ponta, 83 profissionais foram contratados para 18 Unidades Básicas de Saúde do SUS a fim de assegurar serviços básicos à população impactada em Barra Longa e Mariana.
Jan. 2016 a jan. 2017 – Os diques
Construção dos diques S1 e S2, dentro do Complexo de Germano, e do S3, dotado de estrutura mais robusta. Obras do dique S4, em Bento Rodrigues, avançam ao estágio final.
2 mar. 2016 – Assinatura do TTAC
Membros da Samarco, Vale e BHP Billiton assinaram o Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Mar. a ago. 2016 – Cumprimento parcial do TTAC
Às pessoas prejudicadas em Minas e no Espírito Santo foram distribuídos 7.901 cartões de auxílio financeiro; terrenos para a reconstrução de Bento Rodrigues, Gesteira e Paracatu de Baixo foram definidos; 131 imóveis foram reformados em Barra Longa; 2 mil bens, documentos e peças sacras foram salvos; 56 afluentes da Bacia do Rio Doce e 830 hectares de mata ciliar foram limpos; 12 áreas erosivas foram recuperadas e 120 pontos de afluentes monitorados.
Ago. 2016 – Início da Fundação Renova
Entidade é criada para realizar 41 programas socioeconômicos e ambientais ajustados no TTAC.
Set. 2016 a jan. 2017 – Reassentamentos
A planta de reassentamento de Bento Rodrigues foi aprovada, o mais fiel possível ao desenho original. Os nove terrenos da nova Paracatu de Baixo foram definidos por 103 das 108 famílias desalojadas. Em Gesteira, 20 famílias afetadas aguardam as obras em seus imóveis. A instalação dos equipamentos públicos em Barra Longa e nas novas Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo segue prevista para 2017; a construção das residências ficará para 2018 e a entrega para 2019.
Dez. 2016 a jul. 2017 – Nova Santarém
Finalizada a 1ª etapa da barragem, capaz de conter mais de 5 milhões de metros cúbicos. Com alteamento, feito em julho deste ano, a capacidade subiu para 7 milhões de metros cúbicos.
Jan. 2017 – Recuperação da área de Fundão
Samarco protocola, na Semad, o Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) de Fundão, localizada no Complexo Minerário de Germano, em Mariana. O texto propõe diretrizes para recuperação ambiental do local.
Fev. 2017 – Recuperação de nascentes
Foram entregues 511 nascentes protegidas; enquanto 500 aguardam identificação até o fim de 2017. A ideia é recuperar 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce em 10 anos, em parceria com o Instituto Terra. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce define as regiões contempladas.
Abr. 2017 – Fomento à economia regional
Convênios com o Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (Indi), o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) foram firmados para criar linhas de crédito especiais para financiar capital de giro e investimentos em empresas de pequeno porte dos municípios afetados.
Jun. 2017 – Ampliação de propriedades cadastradas
Até maio, o número de famílias cadastradas saltou de 8.513 para 16.072, chegando a 50 mil pessoas, ao custo de R$ 8,1 milhões. Até dezembro, 22 mil propriedades afetadas devem estar inscritas, atingindo 70 mil pessoas.
Jun. 2017 – Indenizações
O Programa de Indenização Mediada (PIM) arcou com os danos pelo desabastecimento de água na região da Bacia do Rio Doce. De 167 mil propostas de indenização feitas no Espírito Santo e em Minas, 46 mil foram pagas (R$ 65 milhões) e 2 mil recusadas. O PIM fechou 16 acordos de danos à atividade econômica e à extração de areia em Minas (R$ 1,8 milhão), 44 acordos de danos ao turismo no Espírito Santo (R$ 507 mil) e 64 acordos de danos à pesca nos dois estados.
Jun. 2017 – Ações de Fundão à Candonga
Ações emergenciais foram feitas em 113 km de Fundão à Candonga. São elas: o controle erosivo em 101 afluentes do Gualaxo do Norte e Carmo, o uso de biomantas, blocos de pedra e sistemas de drenagem e a revegetação de 800 hectares com espécies de crescimento rápido.
Jun. 2017 – Plano de Manejo de Rejeitos
Aprovado o Plano de Manejo, que divide a área impactada em 17 trechos e considera técnicas individuais ou combinadas para contenção, estabilização, tratamento ou remoção do rejeito. Cerca 670 km estão no escopo do plano, que destinará R$ 465 milhões às atividades.
Jun. 2017 – Desenvolvimento rural sustentável
Em parceria com Embrapa, Emater-MG, Epamig, Fundação João Pinheiro e Universidade Federal de Viçosa (UFV), poços foram perfurados e instalações, pastagens, cercamentos, caminhos, acessos, sistemas de irrigação e plantações de forragens foram recuperados. Os trabalhos devolveram, de forma sustentável, condições produtivas às propriedades rurais afetadas.
2º sem. 2017 – Restauração florestal
Início do replantio da mata ciliar. A meta é recuperar 40 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) degradadas na Bacia do Rio Doce, sendo 20 mil propriedades particulares, mais 2 mil hectares diretamente atingidos pelos rejeitos e 5 mil hectares de áreas de nascentes. Um estudo de priorização das áreas para restauração das APPs e a primeira versão do Sistema de Gestão Florestal devem ficar prontos até junho de 2018.
Jul. 2017 – Auxílio financeiro emergencial
Cerca de R$ 275 milhões foram entregues a 19.672 beneficiários do auxílio da Samarco.
Ago. 2017 – Monitoramento da água
A Renova iniciou o monitoramento automático da água por meio de 22 novas estações, 56 pontos ao longo do Rio Doce e 36 na zona costeira. O programa terá duração de 10 anos. Além disso, estudos de disponibilidade hídrica estão sendo feitos para traçar alternativas de captação desse bem. O trabalho da Copasa e da Saae tem tornado a água do Rio Doce própria ao consumo.
Set. 2017 – Pagamento das indenizações
No dia 25 de setembro, o Comitê Interfederativo (CIF) determinou que até dezembro desse ano devem ser negociadas as indenizações por danos morais e materiais aos 14 mil moradores atingidos na tragédia. Os pagamentos devem ser realizados até 31 de março de 2018.
Dez. 2017 – Obras e Plano de Manejo
Perspectiva de estabilização e controle em 1.150 hectares de planícies, do plantio de espécies nativas, da recomposição da mata ciliar e de tratamento piloto do rejeito em 17 trechos de 9 km do Rio Gualaxo do Norte. A previsão é que todo o percurso atingido seja tratado até 2019.
Mar. 2018 – Contenção de rejeitos
Expectativa de entrega do Eixo 1, que deverá prevenir novos vazamentos de Fundão.
Data indefinida – Usina de Candonga
Para evitar novos afluxos de rejeitos e melhorar o fluxo de água, um terceiro barramento metálico está sendo construído. Ainda há 800 mil metros cúbicos de rejeitos a serem removidos.
Data indefinida – Esgoto e resíduos sólidos
Três documentos deliberados pelo Comitê Interfederativo (CIF) estão em fase de elaboração: um plano de capacitação para os municípios; uma proposta de apoio técnico; e outra de repasse de recursos para ação compensatória de construção de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e de aterros sanitários para 39 municípios, de Mariana à Regência, ao custo de R$ 500 milhões.