Artigo | A indústria siderúrgica e o desafio da transição sustentável

Divulgação | KPMG.

*Por Manuel Fernandes e Ricardo Marques

O aço é parte integrante de nossas vidas. Ele é um metal crucial para construções e edifícios, equipamentos mecânicos para uso industrial e privado, transporte e automóveis. Também tem papel decisivo para o alcance dos objetivos da transição energética global, uma vez que é um material básico e 100% reciclável para a constituição de fontes de energia renováveis.

No entanto, assim como ocorre com outros setores de produção intensivos em energia, a indústria siderúrgica também contribui para a poluição ambiental, gerando no agregado cerca de 1,9 toneladas de gás carbônico para cada tonelada de aço produzido, a maior parte dela proveniente das reações químicas necessárias para gerar as altas temperaturas exigidas nos fornos.

A tecnologia de produção mais amplamente utilizada atualmente, o Alto Forno Básico de Oxigênio requer que grandes quantidades de carvão sejam consumidas, contribuindo com uma média de 7% a 9% das emissões totais de dióxido de carbono geradas anualmente na queima global de combustíveis fósseis.

No entanto, levando em consideração que a vida útil dos produtos de aço é muito longa (em média de 40 a 100 anos para as infraestruturas), um problema comum que esses métodos de produção devem enfrentar é que a taxa de reciclagem é muito baixa em comparação com as necessidades.

Os números são maiores nos países que ocupam as primeiras posições na quantidade de aço produzido, tais como China, Índia e Japão, que contribuem com 66% da produção global e normalmente geram entre duas e três toneladas anuais de gás carbônico por tonelada de aço. Esses índices estão longe da média registrada na América Latina que é de 1,55 toneladas de gás carbônico por tonelada de aço.

O Fórum Econômico Mundial estima que a demanda por aço pode crescer até 30% até 2050. Com isso, a necessidade de reduzir significativamente a pegada de carbono desse setor se mostra decisiva para alcançar os objetivos mundiais de transição. Mas, como aponta a Agência Internacional de Energia, o aço está cada vez mais no centro dos debates sobre descarbonização porque os esforços que o setor está fazendo a esse respeito não somente são insuficientes para corrigir o curso e convergir para um cenário de emissões líquidas zero até 2050, mas também porque o potencial para reduzir as emissões das tecnologias existentes é limitado, tornando a inovação um fator crucial nesse caminho.

Nesse sentido, embora as crises globais dos últimos anos não tenham paralisado o progresso em termos de anúncios de novos projetos, especialmente no que tange a tecnologias de baixa emissão de carbono, o número de iniciativas respaldadas por técnicas convencionais continua a representar dois terços do total de projetos anunciados no mundo inteiro. Isso acaba dificultando e tornando ainda mais complexo o caminho desse setor rumo à jornada de sustentabilidade.

Para tentar reverter esse cenário, será necessário que as principais empresas do setor mantenham o tema descarbonização na pauta, ampliando o número de projetos focados em sustentabilidade. Neste contexto, a América Latina, que é um participante menor do grupo global de produtores de aço, uma vez que só contribui com 3% do total produzido, deve continuar a impulsionar os projetos locais de descarbonização no setor, especialmente levando em consideração a capacidade de geração de energia renovável e o que isso pode significar a curto e médio prazos, em termos de custos mais baixos de produção de hidrogênio e aço verde.

Levando em conta a transição que a indústria está promovendo para a descarbonização, a América Latina deveria ser capaz de adotar uma estratégia baseada em dois pilares principais que poderão afetar ainda mais o mercado nos próximos anos: a possibilidade de aplicação de tarifas ou o aumento de taxas nas importações de aço da China (uma ferramenta que, no entanto, deve ser aplicada com alguma inteligência e ajuste, uma vez que poderia gerar uma guerra tarifária) e a promoção da produção de aço por meio de tecnologias mais limpas (por exemplo, por meio do uso de eletricidade, hidrogênio e captura de carbono), que é onde a região tem uma vantagem competitiva declarada.

 

* Manuel Fernandes é sócio-líder do setor de energia e recursos naturais da KPMG no Brasil e na América do Sul e Ricardo Marques é sócio-líder do segmento de metais e mineração da KPMG no Brasil.

Voltar