Artigo | Gestão de riscos financeiros em um cenário volátil: lições da siderurgia

Divulgação | AVB.

Por Gustavo Bcheche, CFO da Aço Verde do Brasil

Volatilidade não é um conceito novo para quem atua em setores industriais de base. Mas, nos últimos anos, a velocidade com que os ciclos se sucedem e a amplitude das variações de mercado tornaram o tema da gestão de riscos financeiros mais central do que nunca,
especialmente na siderurgia. Nessa área, o equilíbrio entre eficiência operacional e saúde financeira exige decisões ancoradas em dados, mas também em intuição e experiência.

A siderurgia, como poucas outras indústrias, opera no cruzamento entre macroeconomia, política internacional, dinâmica de commodities e transição energética. Trata-se de um setor cíclico, intensivo em capital, em que as margens são frequentemente pressionadas
por fatores fora do controle direto das empresas.

A oscilação nos preços do minério, a volatilidade cambial, o custo da energia, mudanças em políticas ambientais, alterações nas alíquotas de impostos ou na dinâmica de oferta e demanda global podem redefinir resultados em poucos trimestres. Nesse contexto, a gestão de riscos financeiros precisa deixar de ser um exercício defensivo e passar a ocupar um papel de protagonismo estratégico.

Nos bastidores das finanças corporativas, isso significa adotar uma abordagem que vá além dos modelos tradicionais de proteção. Há uma armadilha comum (e perigosa) em assumir que proteger a exposição cambial ou a algum índice ou mesmo travar preços de insumos
por meio de derivativos é, por si só, suficiente para blindar o fluxo de caixa ou os resultados de uma empresa. Não é.

A experiência nos ensina que a maturidade em gestão de risco está em combinar disciplina de alocação de capital, leitura de cenário através de projeções e premissas com análise de sensibilidade, flexibilidade operacional e, acima de tudo, uma governança que antecipe e integre riscos ao processo de tomada de decisão.

No Brasil, este parece ainda ser um ponto de inflexão: um relatório recente da KPMG aponta que 43% das organizações respondentes ainda não utilizam a gestão de riscos para orientar o processo de planejamento estratégico. Ou seja, quase metade das empresas brasileiras ainda toma decisões estratégicas sem considerar de forma estruturada os riscos aos quais estão expostas.

No que se refere à indústria do aço, essa lacuna pode comprometer não apenas a capacidade de reação diante de cenários adversos, mas também a identificação de oportunidades que surgem justamente em contextos de incerteza. Em momentos de alta volatilidade, muitos executivos ainda olham para o departamento financeiro esperando respostas táticas. Mas o que o financeiro precisa oferecer é visão. Isso exige antecipação, estrutura e cultura.

É comum falar em planejamento de longo prazo, mas o que realmente faz a diferença é a capacidade de construir estruturas resilientes: empresas que sustentam seus compromissos mesmo nos momentos de contração, que mantêm liquidez com responsabilidade e que sabem exatamente quais riscos estão dispostas a correr, e quais não estão.

No setor siderúrgico, em particular, essa leitura é sensível. Além dos fundamentos econômicos, somos impactados também por ciclos políticos e ambientais, cujos efeitos sobre os mercados são frequentemente assimétricos.

Quando se adiciona a isso o crescente peso das pautas ESG e as exigências crescentes por investimentos sustentáveis, o desafio se torna duplo: preservar solidez financeira ao mesmo tempo em que se viabilizam projetos de transformação e transição energética. Ou seja, equilibrar prudência com ambição.

Talvez uma das lições mais valiosas que a siderurgia oferece nesse contexto seja a de que os riscos são inevitáveis, mas a surpresa é opcional. Quem atua em um setor moldado por oscilações sabe que a imprevisibilidade não pode ser eliminada, mas pode ser gerida. Não há estratégia eficaz sem o reconhecimento prévio dos limites de exposição e da capacidade de absorção da empresa.

O papel da liderança financeira, nesse sentido, está mudando. Deixa de ser o guardião da estabilidade para se tornar o arquiteto da resiliência. Não se trata de prever o próximo ciclo, e sim de garantir que a companhia esteja preparada para qualquer um deles. Isso passa por cultivar um modelo mental que integre risco à estratégia, trate a incerteza como parte do cotidiano e tenha coragem de tomar decisões difíceis com base em princípios consistentes.

O que diferencia as empresas que atravessam a volatilidade das que ficam pelo caminho raramente é sorte ou mesmo tecnologia. É clareza de propósito, disciplina na execução e uma abordagem madura da gestão de riscos. E isso, felizmente, pode ser aprendido. Afinal,
integrar a governança preventiva às decisões de alto nível não é mais uma vantagem competitiva, mas uma exigência de sustentabilidade organizacional a longo prazo.

 

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