Estaremos às vésperas de uma Revolução Francesa da ecologia?

*Por Milton Rego

Inspirada pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução Francesa moldou o mundo que conhecemos. Mais de 200 anos depois, vivemos uma transformação semelhante: a que introduziu a sustentabilidade ao ideário dos revolucionários franceses. E que, como naquela época, promete o terror às empresas e dirigentes que não se converterem aos novos tempos verdes.

É preciso pensar diferente. Isso aconteceu comigo. Estive recentemente em um fórum sobre economia verde, que contou com a participação do professor Pavan Sukhdev, reconhecido pesquisador sobre temas ligados ao meio ambiente e atual presidente da World Wildlife Fund (WWF). As discussões me fizeram recordar como mudou, ao longo dos anos, a minha percepção sobre o papel das empresas em relação à sustentabilidade.
Há 15 anos, eu participava de um grupo que reunia executivos de diversas empresas.

Nossa missão era decidir o posicionamento do setor sobre questões de responsabilidade ambiental. Naquela época, defendia que o papel de uma empresa no caso de qualquer responsabilidade (social, ambiental) era uma questão de governança e compliance. As empresas deveriam cumprir rigorosamente as leis. Se isso não fosse suficiente, que o Estado mudasse a regulação.

A minha preocupação era manter distância de uma posição que via como assistencialista ou marqueteira. A taxa de retorno do negócio deveria ser a mais transparente possível dado o ambiente em que operasse. Discussões sobre mudanças eram da alçada dos políticos e dos eleitores.

Mudei de ideia. Um law enforcement (aplicação da lei) não é mais suficiente quando se trata de sustentabilidade, porque o impacto não é mais restrito ao ambiente da empesa.

Em um mundo no qual diariamente são publicados papers de cientistas com previsões alarmantes sobre o aquecimento, em que a biodiversidade está em permanente risco, em que a riqueza está cada vez mais concentrada, em um mundo em que a população urbana não para de crescer, em cidades cada vez mais poluídas, em que a água se torna rapidamente um elemento escasso… Enfim, simplesmente seguir as leis não vai garantir um futuro promissor às novas gerações. O motivo é simples: o planeta está no limite. Continuar a fazer o mesmo não vai funcionar.

E não existe empresa que vá bem dentro de um sistema que não funciona. Assim, a atuação e o protagonismo das empresas em assuntos ligados à sustentabilidade se tornam fundamentais. É uma questão de cidadania. As empresas têm de se manifestar, atuar e se expor aos cidadãos.

By design ou by disaster

A Faculdade de Bolzano, na Itália, (https://www.unibz.it/) promove há alguns anos em seu curso de design o seminário By Design or by Disaster, que discute as tendências do design diante dos desafios do mundo. Se pensarmos a palavra “design” não como “projeto”, mas como “intenção”, esse é o sentido, em minha opinião, das alternativas à disposição para mudar a nossa perspectiva em relação à sustentabilidade.

Os desafios que se colocam são imensos. Não podemos manter a taxa de crescimento de uso de materiais e de energia dentro das matrizes atuais. Os paradigmas precisam mudar.

Se alguém tem dúvida, recomendo a leitura do relatório da Fundação Ellen MacArthur sobre plásticos nos oceanos. (https://www.theguardian.com/business/2016/jan/19/more-plastic-than-fish-in-the-sea-by-2050-warns-ellen-macarthur).

Temos de avaliar o crescimento a partir de um novo modelo de encarar a produção de bens e serviços, a partir da visão de uma economia circular.

O conceito linear, no qual fomos educados, melhorou enormemente a renda média das economias ao longo dos séculos e, aparentemente, funcionava bem até o planeta dar sinais de cansaço. A ideia fundadora desse modelo é utilizar matérias-primas para fabricar um produto, usá-lo e jogá-lo fora, em um processo cada vez mais acelerado e em quantidades cada vez maiores.

Como corolário desse pensamento, produção e custo direto são os únicos critérios de eficiência operacional. O objetivo é maximizar o lucro: dos acionistas e/ou do bônus dos gestores ao final do ano.

Em uma economia circular o objetivo é diminuir a intensidade de utilização de matérias-primas e de energia, focando na redução, reutilização e reciclagem. Mas não se trata somente de reciclar ou de recuperar materiais. É uma maneira diferente de ver a economia, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade: qual o impacto das minhas ações no futuro? O que busco para o meu produto? Fazer o melhor ou produzir o menor dano?

Gunter Pauli, professor especialista em sustentabilidade (https://www.gunterpauli.com/ ), defende que, em vez de cortar custos, uma empresa deveria criar mais valor para os seus produtos. É uma maneira muito diferente de encarar o negócio.

Mas por que uma empresa faria isso? Não é porque as matérias-primas se tornaram mais escassas. O gráfico abaixo mostra que o preço desses produtos caiu ao longo dos últimos cem anos. Portanto, investir tempo e dinheiro para diminuir a utilização de matéria-prima não seria a primeira coisa a se pensar.

Mas para que reciclar? Por que adotar uma mentalidade circular? Vejo vários motivos para tanto. Alguns virão pelo amor (by design), outros virão pela dor (by disaster).

By design

Por essa via suave trafegam as empresas que apostaram na sustentabilidade como alavanca de negócios. Vamos pensar na norte-americana Tesla. A empresa iniciou as suas operações em 2003, logo depois de a GM desistir de seus carros elétricos EV1. Começou devagar, desenvolvendo baterias. Depois ganhou impulso fortemente subsidiada por incentivos do governo da Califórnia, além de faturar com a troca de créditos de carbono para programas de baixo consumo de combustíveis. Agora, experimenta recordes de valor de mercado.

Ações que impliquem benefícios para o meio ambiente e que são percebidas pelos consumidores, como redução de lixo ou redução de pegada de carbono, hídrica, entre outras, também são uma alternativa.

Outra mais “drástica” é a mudança do modelo de produtos para pay per use – que é a grande novidade a que estamos assistindo –, criando uma economia colaborativa. Eis um exemplo: http://blogdomiltonrego.com.br/22-apartamentos-64-pessoas-45-carros/.

Um caso bem brasileiro acontece nas usinas de cana-de-açúcar. Ali existe um fluxo contínuo de caminhões que percorrem milhares de quilômetros todos os dias. Já há alguns anos, as usinas deixaram de comprar pneus e passaram a comprar o serviço, pagando para os próprios fabricantes de pneus por um determinado tempo de utilização. Dessa forma, esses fabricantes fazem a gestão da frota e são responsáveis pela destinação do pneu usado.

Também existem exemplos na indústria automobilística, companhias que estão se redefinindo como provedoras de soluções de mobilidade, em vez de meras montadoras de automóveis. Essa gestão aproxima o ciclo total de uso e reuso, promovendo economias importantes, uma vez que se reduz o custo de energia e de trabalho.

Diminuir a volatilidade das matérias-primas é mais uma alternativa, uma vez que abre a possibilidade de reduzir o consumo de energia e a influência de externalidades. Isso é importante na composição dos custos de aquisição e na garantia de suprimento adicional. Como prega o conceito da economia circular, as mercadorias de hoje são os recursos produtivos de amanhã, com os preços de ontem.

By disaster

“Os impactos da mudança climática ‘nunca foram tão graves’ e devem levar a comunidade internacional a ‘fazer muito mais’ para freia-los, disse no início de dezembro , a autoridade para o clima da ONU no primeiro dia da COP24. ‘Este ano deverá ser um dos quatro mais quentes já registrados. As concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera atingiram um nível recorde e as emissões continuam aumentando’, declarou Patricia Espinosa em um comunicado.” https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/afp/2018/12/02/onu-alerta-que-situacao-climatica-nunca-foi-tao-grave.htm

A percepção de um desastre eminente pela poluição dos mares ou por mudanças climáticas nunca foi tão premente na sociedade. E essa sociedade exige padrões ambientais cada vez mais rígidos. São as famosas “externalidades”. A questão, então, deixa de ser moral e passa a ser econômica. Dito de outra forma: o que é insustentável começa a ser precificado. E, nesse caso, os materiais terão de ser entendidos de outra forma: não pelo menor custo, mas pela maior resiliência, ou seja, o quanto aquele material consegue ser utilizado várias vezes, com um mínimo de gasto de energia.

Os preços são mensagens e devem refletir a dinâmica da sociedade. E com uma sociedade cada vez mais rigorosa em relação aos padrões ambientais, a mudança da tributação para acelerar modelos mais sustentáveis é irreversível.

E, para aquelas empresas que acham que podem se esconder, eventos externos irão provocar essa mudança de mentalidade. Gases de efeito estufa (GEE), poluição, estoques de água, consumo energético, isso tudo irá trazer grandes transformações.

Paul Romer e Willian Nordhaus, ganhadores do Nobel de Economia em 2018, foram escolhidos por participar de estudos sobre mudanças climáticas e inovações tecnológicas. Desde os anos 1970, Nordhaus defende a ideia de que os governos deveriam exigir que os poluidores pagassem pelos danos ao meio ambiente e à saúde pública. Por ocasião do anúncio do Nobel, reafirmou: “Não há basicamente nenhuma alternativa para a solução de mercado”. Romer, por outro lado, comentou: “Um problema hoje é que as pessoas acham que proteger o meio ambiente será tão caro e tão difícil, que preferem ignorar o problema e fingir que não existe. Estamos jogando com o futuro do nosso planeta”.

A mudança para uma economia circular não vai depender somente de boas intenções. As empresas que não buscarem esse caminho (como eu pensava lá atrás) serão atropeladas pela “revolução francesa” de uma economia de baixo carbono. Poderão, inclusive, perder a capacidade de administrar as suas licenças ambientais para operar.

O mercado pode ser cruel para aqueles que gostariam de ficar em Versailles observando o mundo pela ótica do “quanto mais melhor”.

 

*Milton Rego é Engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral, desde 2014 é o presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).