Imagem do momento em que a barragem se rompeu em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019 — Foto: Reprodução/TV Globo

O documento confirma que a ruptura da barragem B1, em Brumadinho, se deu em razão do fenômeno da liquefação, de acordo com a Procuradoria.

O Ministério Público Federal informou nesta semana que o Centro Internacional de Métodos Numéricos em Engenharia da Universidade Politécnica de Catalunha (CIMNE-UPC), na Espanha, entregou o relatório final dos serviços de análise sobre as causas prováveis ou determinantes do rompimento da Barragem I, da Vale, na Mina do Córrego do Feijão, de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.

De acordo com a Procuradoria, o documento confirma que a ruptura da barragem B1, se deu em razão do fenômeno da liquefação.

“É incontroverso que o rompimento da Barragem I envolveu o fenômeno do fluxo por liquefação. A liquefação é um processo associado ao aumento da poropressão, pelo qual a resistência ao cisalhamento é reduzida à medida que a tensão efetiva no solo se aproxima de zero. Apenas materiais contráteis estão sujeitos à liquefação. A liquefação está intrinsecamente relacionada ao comportamento frágil não drenado do solo”, diz o relatório de mais de 500 páginas.

O trabalho foi acompanhado por peritos da Polícia Federal (PF) e desenvolvido sob a supervisão de consultores técnicos independentes. Nesta segunda-feira (04/10), esses profissionais entregaram à Procuradoria a análise do relatório e referendaram a qualidade técnica do trabalho feito pela universidade. As informações foram divulgadas pelo Ministério Público Federal.

A contratação do Centro Internacional de Métodos Numéricos em Engenharia é fruto do acordo entre o MPF e a Vale, que assumiu os custos para a realização das atividades da instituição espanhola, consideradas fundamentais para a conclusão das investigações sobre as causas do rompimento da barragem. A escolha da UPC para a realização do estudo ficou a cargo exclusivo da Procuradoria, com o auxílio da PF.

“Barragem suscetível à liquefação”

Para apontar que a ruptura da barragem B1, em Brumadinho, se deu em razão do fenômeno da liquefação, o CIMNE realizou diversas simulações: foi desenvolvido um modelo numérico o mais próximo possível da realidade e as informações disponíveis da barragem foram examinadas criticamente, incluindo a história da construção da barragem, registros pluviométricos (com extensão de mais de 40 anos) e movimentações de superfície da barragem nos anos imediatamente anteriores ao rompimento.

O relatório aponta que “a maioria dos rejeitos da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados e, portanto, altamente suscetíveis à liquefação”. De acordo com a Procuradoria, a caracterização geotécnica dos rejeitos foi considerada essencial para viabilizar um modelo computacional verossímil, razão pela qual foi realizada campanha de coleta de amostras e testes de laboratórios, cujos resultados foram considerados em conjunto com os dados obtidos anteriormente.

O relatório também deu atenção especial às operações realizadas no ano anterior ao rompimento, que envolveram perfuração horizontal para instalação de drenos e perfuração de furos verticais para instalação de piezômetros, diz o MPF.

“O documento também cita o grave incidente ocorrido durante a instalação de um dreno, em junho de 2018, que resultou em vazamentos visíveis de lama em vários pontos da barragem, mas que foram contidos. Esse incidente provocou um aumento local e temporário nas pressões piezométricas da água e algum abatimento na barragem. Registros sismográficos sugerem que uma liquefação contida pode ter ocorrido na época”, informou a Procuradoria.

Gatilho de tragédia em Brumadinho

Segundo o MPF, o relatório analisa os potenciais gatilhos da liquefação. Segundo o documento, foram examinados os registros sismográficos e excluída a hipótese de um carregamento dinâmico, seja por terremotos ou atividades de mineração, como gatilho provável do rompimento.

A Procuradoria indicou que o fenômeno do creep (deformações internas contínuas, que se desenvolvem com o tempo, sob determinada carga), apontado como um dos gatilhos para a liquefação em estudo anterior contratado pela Vale, foi analisado de forma mais aprofundada. Segundo o Ministério Público Federal, não foram encontradas evidências de qualquer situação significativa de cimentação nos rejeitos.

“Para avaliar o comportamento de creep, os efeitos da taxa de deformação dos rejeitos foram sistematicamente medidos em três diferentes materiais reconstituídos usando testes triaxiais de controle de taxas de deformação. A magnitude dos efeitos da taxa de deformação medidos nos rejeitos foi sempre pequena e não indicou um papel relevante do processo de creep no rompimento”.

Após a calibragem do modelo computacional, cujos parâmetros foram determinados usando todas as fontes de informação relevantes obtidas a partir dos testes in situ e testes de laboratório, um conjunto de análises numéricas foi executado para auxiliar na interpretação do rompimento, indicou a Procuradoria.

“As simulações da história da barragem não mostram sinais de colapso iminente da barragem no momento da ruptura, mesmo quando fenômenos de creep e de aumento de precipitação são incorporados na análise. Na verdade, a estabilidade também é obtida mesmo que a análise seja continuada por um período de mais 100 anos. Este resultado sugere que algum fator ou evento adicional foi necessário para que a barragem rompesse.”

Nessa linha, o MPF informou que outros mecanismos potenciais de gatilho foram examinados, incluindo, a simulação da sobrepressão de água associada à perfuração do furo B1-SM-13, que, de fato, estava ocorrendo no momento da ruptura.

“Sob condições de tensão e hidráulicas semelhantes às do fundo do furo B1-SM-13 durante a perfuração, as análises numéricas mostram que, usando o modelo constitutivo e os parâmetros adotados para os rejeitos, pode ocorrer a liquefação local devido à sobrepressão de água e sua propagação pela barragem.”

De acordo com a Procuradoria, nas simulações numéricas (em 2D e 3D) da perfuração do furo B1-SM-13, constatou-se que: “As características geométricas da ruptura e o padrão de deslocamentos resultantes são consistentes com as observações visuais. Em particular, o mecanismo de colapso obtido mostra uma ruptura dentro da barragem começando na crista e se estendendo até um local logo acima do dique de partida. O padrão de deslocamentos apresenta abatimentos na crista da barragem e protuberâncias para fora na base, conforme observado no início do rompimento.”

Foram feitas simulações de perfurações em outros pontos, mas em nenhum deles ocorre a ruptura geral da barragem; a zona de liquefação permanece contida, apresentando apenas um progresso limitado, diz o MPF.

Segundo o relatório, “os exames de testes de CPTu perto da localização dos furos verticais mostram que o perfil do solo no local do furo B1-SM-13 era especialmente desfavorável em relação ao início e propagação da liquefação.”

“O conjunto de análises numéricas realizadas permite concluir que a perfuração do furo B1-SM-13 é um potencial gatilho da liquefação que ocasionou o rompimento da barragem. As análises realizadas não foram capazes de identificar outros gatilhos de liquefação. Em particular, os cálculos realizados incorporando apenas os efeitos de aumento da precipitação e do creep, isoladamente ou em combinação, não resultaram em um rompimento geral da barragem.”

 

Estadão Conteúdo

 

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