Novo diretor-presidente do Ibram, Raul Jungmann aposta no diálogo com outros setores e na agenda pró-ESG para fortalecer a sustentabilidade na mineração.

A vasta extensão territorial brasileira reflete o inegável potencial do país para a mineração. Embora tenha se estabelecido desde o século XVII em solo nacional, a atividade mineradora se firmou ao longo das últimas décadas como um dos pilares da balança comercial do Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o país possui mais de 6 mil empresas e microempresas do setor instaladas em 2.413 municípios. Essa indústria pujante gera mais de 199 mil empregos diretos, mantidos em virtude da extração de 88 tipologias minerais.

Para ampliar esses números grandiosos e estabelecer novos horizontes para a mineração no Brasil, o Conselho Diretor do Ibram empossou o novo diretor-presidente no último dia 11 de maio. Mas diferentemente de seu antecessor, Flávio Penido, o escolhido fez sua extensa carreira à margem do setor mineral. Ex-chefe de Secretarias e Ministérios de Estado (Política Fundiária, Desenvolvimento Agrário, Defesa e Segurança Pública), o pernambucano Raul Belens Jungmann Pinto também foi deputado federal por três mandatos, entre os anos de 2003 e 2016.

Da larga experiência junto ao setor público, Jungmann carrega consigo o aprendizado à frente da presidência dos conselhos de administração de grandes companhias, como o Banco do Brasil e o Porto de Suape. Na década de 1990, sua capacidade de gerir conflitos e estabelecer consensos entre diferentes atores sociais o alçou ao cargo de presidente de duas importantes autarquias: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Em entrevista exclusiva à Revista Mineração & Sustentabilidade, novo diretor-presidente do Ibram revela detalhes da escolha de seu nome para o instituto, analisa os resultados atuais da indústria mineral, faz projeções para o futuro do setor e para a Exposibram 2022. Com firmeza, também responde a perguntas sobre a exploração em terras indígenas, a agenda ESG, a dependência da mineração brasileira em relação à China e o impacto das eleições no setor produtivo.

Confira a entrevista completa:

Mineração e Sustentabilidade – Como o senhor recebeu o convite para assumir a presidência do Ibram, uma chancela de executivos da indústria extrativa mineral ao seu nome?

Raul Jungmann convite surgiu após consenso dos executivos que compõem o Conselho Diretor do Ibram. É um desafio complexo, porém, o setor mineral está entre os expoentes da geração de benefícios socioeconômicos para os brasileiros e, consequentemente, para o país. Sendo assim, é gratificante ter a oportunidade de atuar em favor do desenvolvimento dessa indústria, ainda mais quando está seriamente imbuída de evoluir em suas boas práticas internacionais de ESG (governança ambiental, social e corporativa) e manter um relacionamento cada vez mais próximo, atencioso e seguro com o ambiente e com todos à sua volta.

M&S – Na sua percepção, quais são os principais desafios da mineração brasileira para os próximos anos? Como eles serão enfrentados na sua gestão?

Jungmann – Além dos diversos entraves que já são enfrentados pelo setor há anos, alguns desafios têm se destacado: a lavra ilegal, a comunicação com a sociedade e a licença social para operar, a criação de atrativos para investimentos e de meios para evitar sua debandada – fenômeno causado, principalmente, pela insegurança jurídica e pela elevada burocracia. Sob o aspecto financeiro, têm se intensificado movimentos, ações e projetos de lei para onerar o setor, aumentando a taxação sobre a produção mineral.

Temos, no Ibram, a missão de continuar todo o aprimoramento e a transformação interna do setor mineral, inclusive a busca pela autorregulação, principalmente nos aspectos de segurança operacional e em relação ao meio ambiente. Seguimos no acompanhamento das atualizações e das reformulações da legislação de licenciamento ambiental; este, certamente, é um dos nossos principais desafios. A mineração não pode permanecer com um formato antigo e burocrático nas fases de licenciamento, enquanto outros setores já têm observado modernizações.

“A mineração não pode permanecer com um formato antigo e burocrático nas fases de licenciamento, enquanto outros setores já têm observado modernizações.”

Precisamos ainda fortalecer a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) para que nosso setor avance em termos de segurança jurídica e pesquisa mineral, incrementando o portfólio do potencial mineral brasileiro.

M&S – O setor mineral fechou o 1º trimestre do ano em queda de 20%. Esse recuo no faturamento já era esperado? Há uma expectativa de recuperação ao longo do ano?

Jungmann – A diminuição do faturamento era esperada devido às evidências observadas desde o final do 3º trimestre de 2021. A demanda chinesa por minério vinha em queda, assim como o preço do minério de ferro. O faturamento do setor no 4º estre de 2021 recuou 25% em relação ao trimestre anterior, um reflexo da desvalorização de 33% no preço do minério de ferro e do volume de exportações 35% menor.

A China tem buscado controlar especulações e variações excessivas dos preços de diversas matérias-primas – como o minério de ferro – por meio da redução do volume de importações e do aumento de estoques em seus portos. Outro fator que já nos antecipava esse resultado negativo são as políticas ambientais mais restritivas na China. Como exemplo, cito a realização da Olimpíada de Inverno, em fevereiro, que suspendeu várias operações siderúrgicas naquele país, por um período significativo, para a melhora da qualidade do ar nas cidades chinesas.

Além disso, ao longo dos três primeiros meses deste ano houve diversas paradas operacionais no Brasil, principalmente devido às fortes chuvas em Minas Gerais e às manutenções em minas e usinas, que geralmente são priorizadas nos primeiros meses do ano, pois as demandas são menores nesse período.

Nossa expectativa é que o setor se recupere ao longo do ano, com a retomada das operações que pararam para manutenções, com as estações menos chuvosas e com a expectativa que a demanda chinesa retome seu crescimento, mesmo que de forma menos acelerada como visto em anos anteriores.

M&S – O Brasil tem um potencial mineral ainda desconhecido. No entanto, houve um avanço expressivo em pesquisa nos últimos anos. Como podemos avançar com mais celeridade nesse aspecto?

Jungmann – Nós temos que tornar o setor atrativo para a pesquisa mineral e assim avançaremos. O CPRM foi e ainda é o grande responsável pela realização do mapeamento geológico do nosso território. Portanto, precisamos primeiramente fortalecer esse órgão, priorizando seus projetos e demandas para que o mapeamento geológico avance.

Porém, para que cada província mineral brasileira já estudada seja convertida em carteira de investimento, precisamos do envolvimento do setor privado para desenvolver o detalhamento do estudo preliminar realizado pelo CPRM. Portanto, é necessário estimular e ampliar a participação do setor privado nas etapas de mapeamento geológico avançado. Com um portfólio de certificações de recursos e reservas para negociação, a empresa pesquisadora continuará seu processo de pesquisa em outras commodities/bens minerais, impulsionando a pesquisa mineral no país.

M&S – A China é o principal mercado do minério de ferro brasileiro, renomado pela qualidade e alto teor. Como o Brasil tem se preparado para diminuir essa dependência e projetar um futuro mais sustentável, que garanta a manutenção de seus resultados recordes?

Jungmann – O Brasil tem estabelecido relações comerciais com outros parceiros econômicos relevantes; e essas relações devem se intensificar. Atualmente, nossas exportações de minério de ferro são predominantemente para a China, porém, temos ainda outros importantes clientes, como Japão, Omã, Países Baixos (Holanda), Turquia, Coreia do Sul, entre outros.

Nossas operações têm investido em diversas tecnologias para garantir os padrões elevados de qualidade dos minérios que comercializamos; e essas tecnologias e outras vão garantir o abastecimento de diversos mercados. Além disso, as melhorias em infraestrutura de transporte e de produção no Brasil vão permitir reduções nos custos produtivos, melhorando nossa competitividade.

No entanto, é necessário apoio e subsídios para continuidade desse processo de melhorias e consequente manutenção dessa competitividade. Caso se concretizem, os planos de mineração lançados pelo governo federal nos últimos anos são exemplos de que poderemos ampliar nossa produção e elevar nossa capacidade de competir com outros mercados, permitindo a redução da dependência brasileira na venda dos minérios para a China.

“O Ibram é favorável à mineração no território brasileiro e, nas áreas demarcadas, é preciso
haver a consulta ativa aos povos tradicionais.”

M&S – O Ibram vinha adotando uma postura firme em relação à mineração em áreas demarcadas e de fronteira. Como sua gestão avalia a proposta de mineração em terras indígenas, que tramita no Congresso Nacional?

Jungmann – O Ibram emitiu posicionamento sobre o assunto e o publicou em seu site
(ibram.org.br). Em resumo, o instituto é favorável à mineração no território brasileiro e, nas áreas demarcadas, é preciso haver a consulta ativa aos povos tradicionais, entre outras providências para assegurar o amplo debate em torno da questão. Na visão do Ibram, o Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, em tramitação no Congresso Nacional, não atende adequadamente essas premissas.

M&S – O senhor possui uma extensa carreira construída junto aos Poderes Legislativo e Executivo Federal. Como essa experiência pode contribuir para o avanço do setor mineral?

Jungmann – A indústria da mineração se relaciona com uma diversidade de públicos imensa: pessoas físicas e jurídicas; autoridades das três esferas administrativas e dos três Poderes; cadeias produtivas extensas que dependem dos minérios para conduzir seus negócios, sejam indústrias, empresas do atacado, do varejo, dos serviços e até do agronegócio.

Em minha trajetória profissional – e também como político – angariei muitos  conhecimentos em diversas áreas que se aplicam à mineração industrial brasileira. Este setor é de utilidade pública, gera benefícios socioeconômicos, precisa ter sua importância reconhecida pela sociedade e ser estimulado para expandir suas atividades de modo sustentável e seguro. O Ibram exerce um papel institucional de liderança em favor da mineração sustentável no país há décadas. Por isso, pretendemos expor esta realidade para os diversos públicos com os quais nos relacionamos, bem como as excelentes perspectivas da indústria mineral para o Brasil nas próximas décadas.

M&S – Neste ano, teremos eleições presidenciais. Na avaliação do Ibram, há um temor de que esse pleito possa interferir no presente e no futuro da mineração? Que sinais podem trazer mais segurança aos agentes do setor?

Jungmann – Eleição é sinal de democracia; por isso, sempre é bem-vinda. A mineração é um setor estratégico para que o governo federal tenha condições de planejar suas ações voltadas ao desenvolvimento socioeconômico de longo prazo. A União é a detentora dos minérios situados no território. As mineradoras, que detém os direitos de exploração, sempre estão à disposição dos governantes eleitos para contribuir com informações e diversos conhecimentos técnicos que deem suporte ao planejamento das políticas públicas que tenham relação com o setor mineral e o resultado de sua atividade.

M&S – O ESG se tornou indispensável para pavimentar o caminho da mineração no futuro. Como o Ibram pode capitanear esse processo, mudando a imagem da mineração junto à sociedade?

Jungmann – As mineradoras associadas ao Ibram, responsáveis por mais de 85% da produção mineral brasileira, investem em boas práticas internacionais de ESG há muitos anos, mesmo que a sigla tenha sido adotada há menos tempo no mundo corporativo. O setor se viu envolvido em dois rompimentos de barragens com tragédias associadas, mas reconheceu que precisava agir com solidez e compromisso com a sociedade por mais sustentabilidade e segurança em todos os seus processos. É um esforço setorial de longo prazo, que já apresenta ações no curto prazo.

O Ibram tem reunido as mineradoras em torno de projetos comuns para que as boas práticas ESG façam da mineração o setor modelo nesse assunto. Não por acaso, estamos desenvolvendo a maior agenda ESG corporativa do Brasil e recebendo cada vez mais adesões de mineradoras para essa ação. Nesses últimos anos temos registrado muitos avanços, tanto que pesquisas internas apontam que os vários stakeholders com os quais o setor mantém relacionamento têm reconhecido os aperfeiçoamentos das práticas da mineração brasileira.

“Estamos desenvolvendo a maior agenda ESG corporativa do Brasil e recebendo cada vez mais adesões de mineradoras para essa ação.”

M&S – Quais são as expectativas para a Exposibram 2022? Qual mensagem a maior feira da mineração brasileira pretende passar ao mercado?

Jungmann – Após dois anos, vamos nos encontrar presencialmente em setembro, em Belo Horizonte (MG), para um dos maiores eventos do setor mineral do mundo. Realizamos a tradicional Exposibram em 2020 e em 2021 no formato on-line, devido à pandemia. Agora, vamos, novamente, permitir aos profissionais brasileiros e estrangeiros do nosso setor que se reencontrem e discutam todos esses desafios que pontuamos anteriormente e, é claro, vamos abrir excelentes oportunidades para gerar negócios e atrair investimentos para o
país, tanto de mineradoras quanto de empresas fornecedoras, entre outras.

A pandemia, de fato, influenciou as expectativas do setor, mas o cenário é muito favorável e vislumbramos multiplicar os investimentos previstos para os próximos anos, estimados pelo Ibram em mais de US$ 40 bilhões até 2026. A Exposibram 2022 será o melhor fórum para negócios do setor mineral dos últimos anos.

 

Entrevista especial publicada em nossa edição impressa:
Edição 41 (Abril a Junho de 2022).