Presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), Antônio Carlos Tramm revela o que há por trás do sucesso da mineração no maior estado do Nordeste.
A costa ensolarada, as águas quentes e a cultura cheia de identidade são marcas próprias da Bahia. O que nem todos sabem é que além das belezas que saltam aos olhos, no solo do quinto maior estado brasileiro se escondem outras tantas riquezas de valor também imensurável. Elas atendem por diversos nomes e composições como ouro, prata, ferro, níquel, bauxita, urânio, cromo, salgema, magnesita, talco, barita, cobre, grafita e rochas ornamentais.
Com 340 empresas instaladas, a atividade mineradora tem aquecido a economia de 100 das 417 cidades baianas, especialmente nos últimos anos. O dinamismo do setor é tanto que a Bahia aspira se consolidar, com vigor e potencial, no posto de terceiro maior estado minerador do Brasil. Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), seja por volume ou valor negociado, a Bahia já tomou o lugar que há poucos anos pertencia ao estado de Goiás.
Há três anos sob a gestão de Antônio Carlos Tramm, a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) tem como missão mapear o solo baiano, de forma a atrair investimentos para o setor. Gestor experiente, ele ocupou funções em áreas estratégicas para o estado, como os segmentos de logística, turismo, imóveis e registro empresarial. Sua vivência
como presidente da Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb) e secretário de Turismo e de Transportes de Salvador o credenciou a liderar um dos setores em ascensão na economia baiana.
Em entrevista à Revista Mineração & Sustentabilidade, Tramm afirma que todas as riquezas minerais da Bahia são conhecidas e explica a razão do entusiasmo do empresariado, comprovado pelo aporte bilionário de investimentos para os próximos anos.
Confira a entrevista completa:
Mineração e Sustentabilidade – Sem pesquisa mineral, não há como dimensionar as riquezas do subsolo. Hoje, qual a porção do território baiano já está mapeada ou em fase de mapeamento? De que forma a CBPM trabalha para identificar esse potencial em diferentes regiões do estado?
Antônio Carlos Tramm – A Bahia é um dos estados com o subsolo mais bem estudado e conhecido geologicamente no país. Temos 100% do território baiano já mapeado, por meio de um levantamento aerogeofísico.
A CBPM realiza levantamentos geológicos básicos, como mapeamento geológico e levantamentos geofísicos e geoquímicos. Além disso, promove a prospecção e a pesquisa de recursos minerais, delineando oportunidades concretas de investimento no aproveitamento dos depósitos e jazidas minerais descobertas.
M&S – A Bahia tem se consolidado como terceiro maior polo minerador do Brasil. Por quais razões o estado tem sido tão atrativo para os investidores? Quais fatores contribuíram para a proeminência da mineração baiana nos últimos anos?
Tramm – A Bahia possui uma enorme diversidade mineral. Hoje produzimos mais de 43 diferentes tipos de minérios e lideramos a produção nacional de 19 substâncias. Esse é um grande diferencial do nosso estado.
Somos grandes produtores de água mineral e possuímos a segunda maior reserva de gemas do país. Muita gente não sabe, mas somos o maior produtor de talco e o único produtor de urânio do Brasil. Além, é claro, dos minérios de cobre, ouro, níquel, ferro e cromo, que foram as cinco maiores fontes de arrecadação em 2021. Somados, eles representam mais de 80% de tudo que foi comercializado no ano passado.
M&S – A produção de pedras preciosas, sobretudo diamantes e esmeraldas, destaca-se em solo baiano. Mas a extração dessas riquezas beira a informalidade em vários cantos do Brasil. Como contornar esse problema, gerando mais desenvolvimento e arrecadação à União?
Tramm – Com tamanho desemprego em nosso país, o garimpo se tornou uma alternativa para a sobrevivência. Mas o que vemos em muitos lugares são pessoas que trabalham em condições análogas à escravidão. Por um lado, é preciso que o governo amplie as políticas públicas para combate a essa prática. Por outro, cabe ao Ministério Público do Trabalho (MPT) fiscalizar as condições nos garimpos. Somada a essas ações, é necessária uma atuação mais efetiva da Agência Nacional da Mineração (ANM) para garantir que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) seja paga pelas empresas.
M&S – Apesar do potencial produtivo, a Bahia não tem tradição na exploração de minério de ferro. Para os próximos anos, há previsão de grandes investimentos nesse segmento? A Bamin pode transformar a Bahia no terceiro maior produtor de minério de ferro do país?
Tramm – Há vários investimentos sendo feitos na produção do minério de ferro. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em seus estudos, prevê que o projeto Pedra de Ferro, da Bamin, irá alçar o estado ao posto de terceiro produtor de minério de ferro do país. Mas, em paralelo aos planos da Bamin, outras empresas estão realizando investimentos que impactam diretamente na produção do minério de ferro no estado, como a Tombador Iron e a Colomi Iron. Entre os anos de 2021 e 2025, a previsão é que o setor invista US$ 6,2 bilhões na produção de minério de ferro na Bahia.
M&S – Quais os investimentos mais promissores para a mineração baiana nos próximos anos? Como esses recursos podem impulsionar a economia e contribuir ainda mais para o bem-estar das comunidades ao redor desses projetos?
Tramm – De acordo com dados divulgados pelo Ibram em 2021, até 2025 serão investidos mais de R$ 70 bilhões no estado, o que representa 35% do total de aportes catalogados pelo órgão em todo o país. Várias empresas estão investindo em melhorias nos projetos já existentes. O intuito dessas mineradoras é aumentar a produção e implantar novas áreas produtoras.
Dentre essas companhias, podemos destacar os investimentos da Mineração Caraíba para o aprofundamento de minas subterrâneas; da Yamana Gold e da Atlantic Nickel para elevar suas produções anuais, e da Bamin, com o projeto Pedra de Ferro, que ampliará a produção de minério de ferro no estado da Bahia.
Esses investimentos terão impactos positivos na economia das cidades onde as empresas estão instaladas, com a geração de emprego e renda. Além disso, devem proporcionar ganhos de arrecadação para os municípios por meio da Cfem.
M&S – A Fiol terá um papel estratégico para escoar a produção mineral e agrícola baiana. Mas ela será suficiente para os planos da mineração no estado? Em que situação se encontram a malha ferroviária deixada pela VLI e os trechos sob gestão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA)? Há outros investimentos previstos em infraestrutura?
Tramm – A Fiol representa um grande avanço, mas ela sozinha não pode resolver o problema de logística do nosso estado. A Bahia lutou muito para poder destravar o andamento das obras da Fiol, o que ajudará bastante não apenas na evolução da mineração como no crescimento de outros setores. Mas ainda temos muito caminho pela frente.
Atualmente, boa parte da produção de minério da Bahia transportada até os portos é feita por caminhões, o que é caro, demorado, desgasta as estradas e polui muito mais do que o transporte sob trilhos. A malha ferroviária do estado é praticamente inexistente.
Nossa luta agora é pela revitalização da FCA. A VLI, empresa que há 25 anos detém a concessão dessa ferrovia que passa pela Bahia, abandonou boa parte dos trechos que corta o nosso estado.
Um relatório interno elaborado em novembro de 2020 pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) conclui que a VLI concentrou 90% da sua operação em apenas 2.341 km. Os mais de 5 mil km restantes – que atendem trechos que incluem toda a malha na Bahia, do Rio de Janeiro e alguns trechos de Minas, São Paulo e Goiás – não existem. O que você encontra são locomotivas e vagões de trens abandonados pela VLI/FCA.
M&S – A China caminha rumo a um futuro autossustentável em termos minerais. O Brasil tem se preparado para buscar novos mercados e competir com mais inovação tecnológica? Nossa indústria de transformação é capaz de absorver parte dessa demanda?
Tramm – Hoje a Bahia produz alguns dos chamados minerais do futuro. Ocupamos a liderança nacional na produção de níquel e somos o terceiro maior produtor de cobre do país. No entanto, hoje voltamos a ser ‘exportadores de pau-brasil’. A Bahia tem condições de se tornar polo produtor de baterias, se os empresários do setor ‘acordarem’ logo para o momento.
Precisamos fortalecer a nossa indústria de transformação para exportar mais produtos com valor agregado. Hoje, por exemplo, somos o único produtor de vanádio da América Latina, por meio da Largo Resources. Mas a startup de baterias de vanádio para carros elétricos, anunciada pela empresa, será instalada em Boston, nos Estados Unidos.
M&S – Qual a sua avaliação quanto à condução da política mineral no Brasil? Há pontos de melhoria para atrair ainda mais investidores ao país?
Tramm – Além da logística e de investimentos em pesquisa, é preciso desburocratizar e modernizar a atuação de alguns órgãos ligados ao setor, como a ANM. A CBPM é a única empresa estatal do segmento no país e está prestes a completar 50 anos. A companhia possui diversos processos parados na ANM, alguns há mais de cinco anos, a exemplo dos processos nº 872759/2012 e nº 872740/2012, que aguardam a vistoria de fiscalização para análise do relatório final de pesquisa.
Tanto tempo para o andamento de um processo é inaceitável e gera muitos problemas para a economia do país e da Bahia, principalmente em relação à geração de emprego e renda. Mesmo após várias reuniões com a diretoria da ANM, os problemas ainda não foram solucionados.
M&S – As tragédias de Mariana e Brumadinho abalaram a confiança da sociedade na mineração. A descaracterização de barragens a montante no Brasil é suficiente para recuperar essa credibilidade e mostrar os benefícios sociais de uma mineração sustentável e responsável?
Tramm – Acredito que não. Tragédias como essas possuem um impacto imenso para a sociedade como um todo. Mas é preciso que o setor mostre mais e divulgue seus benefícios para a comunidade. Algumas empresas que atuam na Bahia, como a Mineração Caraíba, a Ferbasa e a Yamana Gold, possuem um trabalho muito importante nas comunidades onde atuam, além de diversos projetos que tornam suas produções cada dia mais sustentáveis.
Entrevista especial publicada em nossa edição impressa:
Edição 40 (Janeiro a Março de 2022).